Durante dois dias, profissionais discutiram os desafios para o município

(Por Laura Gonçalves Sucena)

Qualificar o atendimento aos adolescentes nos serviços de acolhimento institucional, trocar informações sobre práticas e socializar conhecimentos sobre a rede intersetorial e a política de assistência social. Assim foi o Seminário de Alta Complexidade Criança/Adolescente, que teve como tema “Os desafios do trabalho com adolescentes nos serviços de acolhimento institucional”, promovido pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) de Campinas/SP.

Durante os dias 7 e 8 de novembro, profissionais da área puderam ouvir especialistas e discutir questões como ‘Adolescências e os adolescentes nos serviços de acolhimento’, ‘Adolescência e usos de substâncias psicoativas: contextos e cuidados’, ‘Rede intersetorial: diferentes olhares e discursos sobre os/as adolescentes em acolhimento institucional’ e ‘O cotidiano dos adolescentes nos serviços de acolhimento: estratégias e manejos’.

Para a coordenadora do Seminário, Érica Ferraz, o perfil dos adolescentes demanda uma nova postura dos serviços de acolhimento e o evento foi para tratar desses temas que são latentes.  “Atualmente, temos cerca de 60 adolescentes acolhidos em Campinas e precisamos pensar num plano municipal para a adolescência, especialmente para o período em que eles estão prestes a completar a maioridade. Essa é uma questão de extrema importância, que tem que ser discutida e implementada, como o projeto Trilhar”, explicou.

O Trilhar, iniciativa do Programa Acolhimento Afetivo, da Fundação FEAC, em parceria com a Guardinha, visa possibilitar a adolescentes em situação de acolhimento a convivência e vinculação com adultos interessados em desempenhar um papel de referência e dar apoio necessário para o processo de transição do jovem para a vida autônoma.

De acordo com Ana Lídia Puccini, líder do Programa Acolhimento Afetivo da Fundação FEAC, a saída dos jovens dos serviços de acolhimento ao completar a maioridade é uma realidade que precisa ser pensada. “Nesse momento, é cobrado desses adolescentes uma autonomia que depende muito mais do trabalho realizado com eles durante todo o período de acolhimento. O projeto Trilhar vem exatamente ao encontro dessa demanda, trazendo uma metodologia de atendimento que se aproxima mais do adolescente de forma individualizada, a partir de suas necessidades e potencialidades, minimizando os impactos desse momento de ruptura”, falou.

Durante o bate-papo sobre os adolescentes nos serviços de acolhimento, a palestrante convidada Claudia Vidigal, diretora de Advocacy do Instituto Fazendo História de São Paulo, elogiou a realização do encontro e citou a importância de se discutir o assunto da saída dos jovens do serviço.

“Esse tema está sendo pouco trabalhado na rede. No Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária houve a solução das repúblicas jovens, que se mantém, mas que precisa ser pensado e temos que sofisticar as estratégias, pois elas devem ser mais diversas. Este é um momento oportuno para pensarmos quais são os caminhos para a adolescência dentro do serviço de acolhimento e, principalmente, quais as estratégias de cuidado para o momento de desligamento”, ponderou.

Drogas e juventudes

Prejuízo cognitivo, sintomas psicóticos, depressão, dependência e ansiedade são algumas das consequências para crianças e adolescentes que fazem uso de substâncias psicoativas, assunto de uma das mesas do seminário. Neste cenário, a médica psiquiatra da Unicamp, Renata Azevedo, demonstrou as preocupantes taxas de uso de drogas lícitas (bebidas alcoólicas, cigarro, medicamentos) e ilícitas (maconha, cocaína, ecstasy, entre outras) por esse público, que inquietam profissionais da saúde, da assistência social e a sociedade como um todo.

Segundo a médica, as preocupações originam-se dos riscos relacionados a prejuízos escolares, acidentes, atividade sexual desprotegida, consequências cognitivas, emocionais, de saúde física e mental, além da maior chance de desenvolvimento de dependência quando o consumo se inicia precocemente.

Para a médica, é preciso saber o que se passa com o adolescente e qual o motivo do uso. “Embora os números referentes à experimentação, consumo regular e uso de risco sejam relevantes, preocupa-nos, particularmente, quem está por trás destes números, quais as motivações para o uso, o que há de específico do ponto de vista emocional e neurobiológico nesta fase do desenvolvimento, qual o papel da presença de quadros associados, tais como depressão e ansiedade e, acima de tudo, como abordar este tema nos espaços nos quais eles estão inseridos”, falou.

A psiquiatra também citou a importância da comunicação entre os serviços no atendimento ao adolescente. Segundo Renata, os profissionais devem ficar atentos aos sinais de intoxicação apresentados, pois o quadro pode facilmente se confundir com outros problemas. “O tratamento na emergência é predominantemente de apoio, mas cabe lembrar que a maioria dos casos necessitará atendimento para as causas subjacentes a intoxicação apresentada. Além disso, a entrada na emergência por um quadro de intoxicação por substâncias psicoativas (SPA) é uma janela de oportunidade para a implantação de medidas de prevenção”, frisou.

A psicóloga da PUC-SP, Maria Cristina Vicentin, também falou aos presentes sobre os cuidados que necessitam os adolescentes que estão em acolhimento e fazem uso das SPA. A palestrante, que levou alguns casos estudados e os contextos que estes estavam inseridos, frisou a importância do encontro da assistência social com a saúde.

“Acompanho adolescentes que estão passando pelos serviços da justiça, assistência e saúde e acredito na potência da união desses profissionais. O que precisamos hoje é desintoxicar nosso pensamento que já está viciado em pensar punitivamente com relação aos casos de uso de drogas. Esses casos devem ser tomados por nós como desafios”, relatou a psicóloga.

Participando

Para Ana Lídia, o Seminário, em seus dois dias, fez com que os profissionais refletissem sobre o grande desafio que há com relação ao trabalho intersetorial no atendimento integral dos adolescentes, a importância da flexibilidade dos serviços de acolhimento para uma escuta qualificada das demandas do adolescente, como um espaço que propicie o aumento de repertório de mundo e de linguagem dos acolhidos. “Somente a partir dessa abertura para o diálogo entre as políticas públicas e o comprometimento de todos para o mesmo fim, conseguiremos garantir os direitos dos adolescentes acolhidos”, relatou.

Frederico Godoy, psicólogo do projeto Trilhar, elogiou o encontro e acredita que essa troca de saberes irá contribuir com os desafios que o município de Campinas enfrenta com esse público e no que se refere ao desenvolvimento de estratégias e novas possibilidade.

Para ele, o Seminário contribuiu com as reflexões dos profissionais que atuam com adolescentes no dia a dia. “Achei muito interessante a colocação de que temos que pensar de modo individualizado porque cada adolescente está inserido em um contexto. Com relação ao uso de drogas, é preciso saber o que o levou ao uso para que assim possamos direcionar uma estratégia singular. Cabe a nós termos esse cuidado, esse olhar e essa escuta direcionada para que tenhamos sucesso no trabalho que faça sentido ao adolescente”, concluiu.

De acordo com a coordenadora da Cidade dos Meninos, Adriana Lima de Oliveira, os temas tratados foram muito pertinentes, principalmente para o momento que Campinas vive. “Nós, como pessoas que estamos no serviço de acolhimento, trabalhando com o enfrentamento à violência e proteção da criança e do adolescente, temos cotidianamente lidado com muitas situações que nos deixam sem respostas. Sabemos que temos que avançar em várias estratégias e o Seminário trouxe novos caminhos”, avaliou.

Saiba mais: https://www.feac.org.br/acolhimentoafetivo/