(Por Laura Gonçalves Sucena)

A magia e o encanto dos mundos medieval e do cangaço tomaram conta do palco do Teatro Iguatemi nos dias 4 e 11 de novembro, durante a apresentação do musical Lampião e Lancelote, ação do projeto Arte e Cultura do Programa Fortalecimento de Vínculos da Fundação FEAC.

A atração com a temática inusitada reuniu 156 usuários, de 10 a 83 anos, de oito Organizações da Sociedade Civil (OSC) de Campinas e encantou a plateia que, além de estar atenta ao espetáculo, também se entregou à emoção e participou cantando e batendo palmas.

Com o objetivo de proporcionar a inclusão e o acesso à arte e à cultura, por meio de um musical multiartístico e inclusivo, o espetáculo de uma hora e meia contou a história do encontro inesperado entre Lampião com Lancelote e foi baseado na obra premiada de mesmo nome do autor Fernando Vilela, que mescla o sertanejo com o medieval.

Com muito humor e graça, os artistas narraram o que poderia acontecer quando  Lancelote chega ao sertão nordestino. Para a escolha do tema do musical 2019, as instituições levaram em conta critérios como o potencial cênico, estética da história, qualidade de personagens (força dos personagens individualmente e no contexto coletivo da trama), diversidade de linguagens na obra; trama e poética da história, possibilidade de novas experiências, entre outros pontos.

Os ‘artistas’ entraram nos personagens e aproveitaram cada momento no palco.  “Foi muito legal interpretar o Mansidão, jagunço do Lampião, um cara sossegado e que morre de medo de tudo. Ele é engraçado e acho que cativou o público. E teve mais coisa que valeu a pena nisso tudo, as amizades que fiz durante todo esse tempo. Sentimento de dever cumprido”, falou o menino Anderson Procópio Monteiro, de 16 anos.

Emily Romano, 14, e Jessica Lopes, 12, também estavam com a emoção a flor da pele. “Quando chega a hora de pisar no palco dá um nervoso. A gente não sabe pra onde olhar, porque quer procurar a família, mas também tem que se concentrar no musical, mas o que importa é que no fim tudo dá certo. Foi um longo caminho que percorremos pra chegar até aqui e valeu cada minuto. Estamos muito felizes”, contaram.

Os jovens Rafael de Oliveira e Leonardo de Lima, que interpretaram os bobos da corte também transbordavam alegria. “Foi um ano de desafio para gente, de muita dedicação e de ensaios. Nem tivemos folgas, feriados. Foi ensaio o tempo todo para que tudo saísse direitinho e a gente conseguiu. E conseguimos muito mais porque esse trabalho em equipe foi super gostoso”, comentaram.

 

Abrindo as cortinas

Antes do início do musical a expectativa era grande. As famílias que estavam na plateia não viam a hora das cortinas se abrirem para poderem conferir os talentos. O vendedor André Ferreira Martins estava ansioso para ver o filho Caio. “Eu, minha esposa e meus filhos fomos uns dos primeiros a chegar no teatro. Esse ano acompanhamos toda a trajetória do nosso menino e vimos como ele se dedicou para estar nesse palco hoje. Esse trabalho com as instituições é muito bacana e nós temos que prestigiar”, comentou.

Lucas Henrique Miranda já participou de duas edições do Arte e Cultura e dessa vez estava na plateia torcendo pelos seus amigos artistas.  “Fui para o basquete e tenho que me dedicar ao esporte porque essa vai ser minha carreira, mas não podia deixar de prestigiar meus amigos, mesmo porque era para eu estar nesse palco hoje. Essa experiência de encarar os palcos não é para qualquer um. Fui muito feliz nos dois anos que estive no Arte e Cultura e nunca imaginei que ia participar de um musical e estar nos palcos do Teatro do Iguatemi. Toda essa experiência acrescentou muito para mim, aprendi muita coisa, conheci muita gente, convivi com pessoas diferentes de mim, enfim, aprendi muita coisa. Hoje estou aqui porque tudo isso valeu a pena e ficou no meu coração”, afirmou.

E quando as cortinas se abriram a plateia foi ao delírio e participou de cada momento. Os pais e amigos dos artistas aplaudiram, cantaram, tiraram fotos e se deliciaram com as performances. “Adorei a história. Que bacana misturar o Lampião com o Lancelote. Cada figurino lindo, todo mundo muito conectado. Essas crianças, jovens e idosos estão de parabéns”, comentou Maria Angélica dos Santos que foi assistir a filha de uma amiga.

Mara Gongora, que foi assistir a sobrinha, também estava emocionada. “O cenário estava lindo, o figurino fantástico e só posso dizer que ficou incrível. Como pode dar certo juntar tantas pessoas diferentes, que estão em instituições diversas para fazer um trabalho e isso tudo dar tão certo. Isso pra mim é um investimento na educação e é disso que precisamos”, enfatizou.

A cearense dona Antônia Pedro de Oliveira, foi uma das que mais se emocionou. “Eu chorei, sorri, cantei e me diverti muito. Nem sabia do que se tratava e quando vi que era do Nordeste fiquei muito feliz. É importante ter um espetáculo que fale da cultura nordestina e ver essa moçada conhecendo Lampião é muito bom. Aliás, esse espetáculo foi uma coisa maravilhosa, tanta gente unida para um propósito comum é impressionante”, finalizou.

Fazendo acontecer

E para fazer tudo acontecer, o trabalho realizado pelas instituições participantes foi árduo. Tudo começou com o tema do musical que foi escolhido pelos usuários das próprias OSC participantes. Para coordenar tudo isso, o musical deste ano, teve como parceiro executor a Casa de Maria de Nazaré que produziu o espetáculo, com a direção artística de Daniela Fischer.

A diretora também sentiu o desafio de encabeçar um projeto tão audacioso e grandioso. “Foram muitos desafios, porém todos cumpridos devido ao empenho dos artistas e da equipe de apoio. Trabalhar uma história diferente, escrita em forma literária, utilizando cordel e narrativa estilo medieval foi uma tarefa árdua, mas isso traz ganhos, como conhecer vocábulos novos e um pouco da cultura medieval e da nossa própria cultura e história. Surpreendeu-me muito a disponibilidade do grupo às propostas cênicas apresentadas ao longo do processo. Os artistas mergulharam na história, sentindo-se parte dela. A entrega deles foi total. A equipe de apoio foi incrível. Competência e dedicação. Os educadores participaram ativamente do processo e auxiliaram no trabalho de ensaios, organizando da melhor forma possível todas cenas com os artistas. O que fica para todos é a concretização da partilha de valores, emoções e sentimentos entre nós, num sentimento de que somos uma só família”, comentou Daniela.

De acordo com a coordenadora geral da Casa Maria de Nazaré, Valdirene Vitor de Souza, o projeto teve como linha de atuação o empoderamento por meio da arte. “Trabalhamos para que os artistas fossem multiplicadores de referência positiva dentro e fora dos seus espaços. Este ano foi um desafio, mas ver o resultado desse trabalho foi gratificante. Tivemos que lidar com outras instituições e isso nos trouxe um know-how, acabamos ganhando enquanto entidade e encerramos essa etapa com a sensação de dever cumprido”, afirmou.

Para Sílnia Prado, líder do programa Fortalecimento de Vínculos da FEAC, os envolvidos saem transformados de todo o processo. “Desde o começo, o aprendizado é intenso e, de maneiras diferentes, usuários, educadores, coordenadores e equipe técnica do projeto são desafiados a atuarem de forma coletiva. Este engajamento, pelo resultado positivo de todos, traz ganhos individuais e deixa guardado, em cada um, uma vivência e um legado incríveis proporcionados pela arte”, afirmou. 

Cintia de Oliveira, pedagoga da Associação São João Vianney acredita que o musical é muito mais que um espetáculo. “Percebemos o quanto as crianças crescem ao longo do ano, como essa trajetória de comprometimento e de responsabilidade é especial para todos. Isso sem contar a autoestima”, comentou.

Segundo a gerente executiva da Sorri, Ester Barros, o processo foi muito desafiador, mas surpreendente. “Percebemos que a cada ano, nossos ‘artistas’ estão adquirindo autonomia. E as famílias também comentam isso, nós temos esse feedback. O desafio começou este ano já com a tarefa que eles tiveram em fazer o prólogo e a primeira cena, e isso exigiu uma dedicação extra, mas todos estavam muito comprometidos. Agora fica a experiência e a superação, com um misto de felicidade por eles terem conseguido e um pouco de tristeza por ter acabado. Mas estamos todos muito felizes”, contou.

O educador do Progen, Carlos Tobias também aprovou o resultado final. “Tivemos muitos textos, diversas cenas e isso aumenta a responsabilidade. Foi um ano de muita convivência, muitos vínculos e o espetáculo traz isso tudo, e o mais importante, o fortalecimento da autoestima. Foi um ano muito positivo para todos”, contou.

Para o superintendente socioeducativo da Fundação FEAC, Leandro Pinheiro, que deu as boas-vindas a todos, o musical é um dos pontos altos do trabalho que as organizações realizam durante o ano todo. “Tão importante quando esse espetáculo é o que todos esses artistas, as famílias e amigos levam dessa experiência para a vida. Este ano, a coordenação técnica foi realizada pela Casa de Maria de Nazaré e isso nos mostra que as organizações estão mais aptas e capazes de articular com outras OSC espetáculos legais como esse. E isso permite que a gente possa ter mais grupos fazendo espetáculos simultaneamente. Para nós da FEAC ver as organizações trabalhando de forma articulada e integrada é um desejo antigo e uma satisfação”, finalizou.

Sobre o programa

O Programa Fortalecimento de Vínculos é uma iniciativa da Fundação FEAC que investe na qualificação de ações integradas de cultura, esportes e cidadania com o objetivo de prevenir o agravamento da vulnerabilidade social e reforçar os vínculos familiares e sociais protetivos.

Mais informações: https://www.feac.org.br/fortalecimentodevinculos/