(Por Laura Gonçalves Sucena)

Debater questões sobre o desenvolvimento da primeira infância, o valor da criança para a sociedade, o desenho de políticas que consideram o indivíduo em primeiro lugar e o envolvimento da família e da criança no centro de programas. Assim foi o 7º Simpósio Internacional de Desenvolvimento da Primeira Infância, que este ano teve como tema “Práticas efetivas para uma política integrada”.

Realizado em Fortaleza/CE, o evento contou com simpósios satélites e foi transmitido ao vivo para mais de 50 cidades do Brasil. A Fundação FEAC foi um dos locais que reuniu gestores, orientadores pedagógicos e professores de educação infantil para assistir ao vivo os debates que tiveram como objetivo fomentar discussões de como colocar a criança e as famílias no centro das políticas públicas para o desenvolvimento infantil.

Na primeira palestra do dia, o médico pediatra Daniel Becker, professor do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e colaborador do Unicef, falou que é imprescindível priorizar investimentos na primeira infância por ser uma fase de desenvolvimento. É preciso garantir proteção, estímulos, afeto, alimentação saudável, saúde e higiene, livre brincar, segurança, educação de qualidade e principalmente o fortalecimento de vínculos familiares e com cuidadores. Segundo ele, é na primeira infância que as influências do meio na formação da criança são absorvidas e, consequentemente, a criança alcança seu potencial para se tornar uma cidadã mais consciente e participativa. Isso acaba gerando uma grande economia futura uma vez que contribui para a redução das desigualdades e ainda reduz despesas com saúde.

“O investimento na primeira infância é o melhor que existe e uma obrigação do Estado e da sociedade. Caso se cumpra, irá refletir no bem-estar coletivo, criando uma sociedade mais justa e solidária, com capital humano qualificado e melhores oportunidades para todos”, falou o pediatra.

Já na palestra “Desenhando políticas em que o indivíduo vem em primeiro lugar”, a gerente de parcerias para o Setor Privado do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), Luciana Aguiar, falou sobre os desafios dos municípios em oferecer creches, citou os baixos índices educacionais, doenças crônicas e outros fatores que geram atraso no desenvolvimento ao longo da vida.

Segundo a especialista, 75% das crianças abaixo de 4 anos não frequentam creches/escola e isso acaba gerando problemas no desenvolvimento. Ela defende prioridade de investimentos na infância com vistas à redução da desigualdade. De acordo com Luciana, a cada dólar investido em políticas públicas voltadas para crianças na faixa etária até 6 anos, economizam-se US$ 7 em políticas de compensação e de assistência social. “Não chegaremos aonde queremos chegar fazendo mais do mesmo. É preciso olhar para as políticas no longo prazo. Investir em inovações focadas na saúde e educação da primeira infância é a chave para avançarmos no cumprimento dessa agenda”, frisou.

Outra discussão foi sobre o tema “A família e a criança no centro das políticas públicas e programas”. As palestrantes Ana Lúcia D’Império Lima, diretora da consultoria Conhecimento Social, e Márcia Machado, pró-reitora de Extensão da Universidade Federal do Ceará, apresentaram o resultado de pesquisas sobre a frequência de crianças em creches e formação de vínculo na diversidade.

Por meio de estudos, as especialistas mostraram a importância de se assegurar condições adequadas ao desenvolvimento nos primeiros anos de vida, uma vez que é mais eficaz e gera menos custos do que tentar reverter ou minimizar os efeitos ou problemas mais tarde. Também citaram que os estabelecimentos de educação infantil (creches) são aliados da família no cuidado e educação nos primeiros anos de vida.

“É um trabalho complementar ao da família e da comunidade na promoção do desenvolvimento da criança.  Especialistas associam experiência educativa no espaço coletivo da creche com o cuidado zeloso, o bem-estar físico e emocional. Estímulos, vivências e aprendizagens da creche podem proporcionar ganhos cognitivos e aprimoramento de habilidades futuras mais complexas”, comentaram.

Base Curricular

Para falar sobre “Desafios e oportunidades na implementação da Base Nacional Comum Curricular”, o simpósio trouxe as palestrantes Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais, e Jennifer Guevara, pesquisadora associada do Programa de Educação do Centro de Implementación de Políticas Públicas para la Equidad y ela Crecimiento.

Claudia apontou que os países investem pouco na primeira infância e muitos governos de países de baixa renda ou renda média gastam só entre 0,1% e 0,2% do PIB em pré-escola. Para a diretora é urgente investir na educação. “Desenvolvimento na Primeira Infância é um conceito abrangente que se refere ao desenvolvimento físico, cognitivo, linguístico e socioemocional de crianças pequenas, da gravidez de suas mães até que eles entrem na Educação Primária (Ensino Fundamental). A educação começa com as interações cotidianas entre mãe, outros familiares ou cuidadores e o bebê e prossegue com atividades em centros de educação infantil.  Atrasos cognitivos/linguísticos se acumulam aos 2 anos ou 3 anos na vida de crianças vivendo na pobreza e esses déficits não se reduzem a menos que haja estimulação precoce e aprendizagem e por isso, programas que enfatizam tanto nutrição quanto estimulação precoce tendem a gerar impactos mais importantes”, ressaltou.

Para Jennifer, não é possível pensar em primeira infância e numa base curricular se não temos em mente o criar, o ensinar e o cuidar. A pesquisadora também citou exemplos de outros países como Nova Zelândia, Canadá, Escócia e Chile e destacou a importância da consulta da sociedade e de setores envolvidos para se implementar a base.

E para falar sobre lideranças para o impacto coletivo, a especialista em treinamento de lideranças e mestre em administração pública pela Universidade de Harvard, Carolina Larriera, mostrou o caso de transição governamental no Timor Leste como exemplo de diálogo.

Na última palestra do dia, a especialista ainda demonstrou que é preciso desenvolver, valorizar e descartar habilidades para se progredir, principalmente em ambientes mutantes, como o que estamos expostos atualmente. “Isso nos obriga a ter uma abordagem adaptativa no modo de operar. A ideia é que a atividade da liderança não está vinculada a status, poder, autoridade ou posição, como muitos ainda pensam e sim ao coletivo e união das pessoas”, explicou.

Simpósio satélite

A Fundação FEAC, por meio do Departamento de Educação, foi uma das participantes dos simpósios satélites. Os participantes, liderados pela equipe técnica do programa Primeira Infância em Foco (PIF), aproveitaram a ocasião para assistir e discutir os temas abordados.

De acordo com a assessora técnica do PIF, Adriana Silva, as instituições participantes do programa souberam da transmissão do simpósio satélite e logo acionaram a equipe da FEAC para verificar a possibilidade de uma participação conjunta. “A manifestação de interesse das instituições em participar de um simpósio cujo objetivo era fomentar a discussão de como colocar as crianças e suas famílias no centro das políticas públicas demonstrou o quanto essas equipes técnicas estão engajadas com o tema”, falou.

Na execução dos projetos do PIF as ações sempre priorizam as crianças, por isso norteiam o trabalho reflexões acerca do fortalecimento de vínculos entre as crianças e seus familiares, criando-se oportunidades de participação. “As instituições estão cada vez mais comprometidas com o desenvolvimento integral da criança. Por isso o simpósio foi mais uma iniciativa que tratou de questões que nos fez pensar em como potencializar ações que estão sendo desenvolvidas em nossos contextos”, concluiu Adriana.

Para a orientadora educacional do Serviço Social da Paróquia São Paulo Apóstolo, (SPES), Michelly Salomão, o simpósio mostrou que a creche está no caminho da valorização da primeira infância. “É importante sabermos que estamos na vertente correta, buscando diálogo e aproximação com as famílias e valorizando o brincar com intencionalidade”, apontou.

Para a pedagoga Amanda Verzaro, falar da valorização da creche e da família, como está na base curricular é muito importante. “Temos uma base simples, mas que fala dos direitos das crianças e também resgata a presença dos pais no ambiente escolar. Isso pode ser simples, mas é muito importante e o simpósio ressalta esses pontos fundamentais”, frisou.

Para Denilze Ricciardelli, também assessora do PIF, estímulos adequados durante a primeira infância geram impacto positivo no desenvolvimento infantil. “As crianças buscam interações. Desde os primeiros meses de vida constroem competências, aprendem a explorar sensorialmente diferentes objetos. O Simpósio tratou desses temas e da importância em orientar as famílias, cuidadores, educadores. Mais uma vez, o encontro abordou temas importantes e pertinentes”, finalizou.

Sobre o Simpósio

Realizado, neste ano, em parceria com o Governo do Estado do Ceará e Prefeitura de Fortaleza, o Simpósio Internacional de Desenvolvimento da Primeira Infância, é organizado pelo Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI) – uma iniciativa colaborativa formada pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Center on the Developing Child da Universidade de Harvard (CDC), Insper, David Rockefeller Center for Latin American Studies da Universidade de Harvard (DRCLAS), Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e Hospital Infantil Sabará.

Saiba mais: https://www.feac.org.br/primeira_infancia_em_foco/

http://simposio.ncpi.org.br/