(Por Claudia Corbett)

Uma região e dois territórios com perfis distintos. Desde agosto o projeto Formação de Lideranças: Cidadania e Participação Popular vem sendo realizado na Região Sul da cidade de Campinas/SP, nos territórios do Oziel e Campo Belo. Esta iniciativa, uma parceria do Centro de Educação e Assessoria Popular (Cedap) com a Fundação FEAC, tem como proposta formar lideranças locais para que se tornem aptas a defender e pleitear os direitos sociais das comunidades que representam. Pretende também reunir grupos de moradores para discutir cidadania, direitos sociais e mostrar quais são os fluxos que podem ser utilizados dentro da rede de serviços existente no local onde moram.

Esta formação visa ainda qualificar as ações sociais que já estão sendo realizadas pelos moradores nestes dois territórios. “Propõe contribuir para a participação social efetiva nos espaços de discussão de políticas públicas, como por exemplo, os conselhos locais ou conselhos de direitos, e instrumentalizar os participantes para qualificação nas ações da comunidade, assim como fortalecer a população para a busca da garantia dos seus direitos”, complementou Carolina Garcia Signori, psicóloga e coordenadora do projeto Formação de Lideranças.

O projeto deve abranger as cinco macrorregiões administrativas de Campinas/SP (Sul, Norte, Leste, Noroeste e Sudoeste), prioritariamente os locais do município onde se concentram um grande número de migrantes. Estes territórios redefiniram os contornos da cidade com cinturões, onde a situação é de alta vulnerabilidades social.

Conhecendo as realidades

O primeiro passo foi conhecer as comunidades e apresentar o projeto de formação de cidadania, sensibilizando e convidando a todos para participar. A ideia é proporcionar ampliação de conhecimento sobre sua realidade, para o exercício do controle social e a luta por direitos.

Com o trabalho realizado pelos assessores sociais da Fundação FEAC, que conhecem as demandas dos territórios, foi possível identificar pessoas extremamente engajadas que exercem um papel de liderança. Estes moradores buscam a melhoria dos bairros que se encontram em situação de vulnerabilidade e de risco social. “Mas ainda há uma fragilidade na articulação entre as próprias lideranças locais e poucos instrumentos que possam qualificar essa atuação, para transformá-la em uma ação mais propositiva e efetiva”, destacou a supervisora do Departamento de Assistência Social da Fundação FEAC, Ana Lídia Manzzoni Puccini.

No Campo Belo, os moradores têm menos acesso às políticas públicas e vivência democrática para reivindicar suas necessidades. “Conseguimos criar um grupo de pessoas protagonistas, mas que não tem perfil de liderança”, comentou a coordenadora do Cedap. O processo de trabalho proposto neste território é mais específico. A formação está sendo realizada aos poucos, para que cada um dos participantes vá se apropriando dos recursos que estão sendo apresentados. “As solicitações são primárias e as lideranças têm influência partidária”, disse Carolina.

Neste território, os moradores querem pensar e refletir sobre as necessidades básicas dos bairros onde residem. Muitos deles fazem parte de associações que têm moldes ainda antigos, por serem compostos por idosos que assumiram a causa. As principais vulnerabilidades destas localidades são saneamento, asfalto, saúde, infraestrutura, regulamentação fundiária e espaços de lazer. “Nosso objetivo é fortalecer o grupo e instrumentalizar os participantes para uma participação social e cidadã”, assegurou Luanda Ferreira da Silva Jachetto, técnica social do Cedap.  A metodologia utilizada nesta etapa da formação é a educação popular com oficinas temáticas sobre direitos sociais, políticas públicas, fluxos dos serviços públicos, participação nos espaços de democratização e de interação entre a sociedade civil e o Estado, como por exemplo os Conselhos Municipais.

Formado por 23 bairros, o Campo Belo tem território extenso. Não há transporte público que leve a população aos equipamentos sociais, como o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) onde está sendo realizada a formação. José Aparecido dos Santos é comerciante e um dos líderes identificados. “Eu tinha uma loja de material de construção, então o povo ia lá no balcão para reclamar da falta de infraestrutura básica que o bairro necessitava. De tanto ouvir, eu e minha esposa resolvemos organizar uma comissão para irmos atrás da resolução destas necessidades por eles apontadas”, relatou Sr. Zezinho como é conhecido no território.

Já no Oziel, existem pessoas que estão fazendo ações sociais para o território há muitos anos e os trabalhos estão agora sendo reconhecidos e registrados na Assistência. Robson Teixeira Gondim está na área social há 18 anos e há cinco à frente da ONG ‘Eu cuido de Campinas’. “Vejo nesta formação uma oportunidade de conhecer as outras instituições locais e obter informações que contribuam para a melhoria do trabalho que já estamos fazendo há dois anos no Oziel”, comentou.

O encontro destas pessoas possibilita troca de experiências e união de forças em prol de benfeitorias nos bairros e melhoria dos trabalhos sociais realizados na comunidade. O local onde os encontros se realizam, semanalmente, é sede do Quilombo Urbano, uma organização social formada por jovens, mulheres e crianças das ocupações urbanas Oziel, Monte Cristo e Gleba B.

Formando lideranças 

As intervenções são realizadas com dinâmicas de grupos, vivências, jogos cooperativos, recursos audiovisuais e atividades que estimulam vínculos dos grupos com temas como afetividade, cultura de paz e resolução de conflitos. As temáticas são trabalhadas pela metodologia da educação social. A estratégia é apoiada no desenvolvimento do olhar crítico que, para além do conhecimento, estimula ainda reflexão na busca do senso crítico com vistas ao processo de construção do projeto político de uma sociedade mais justa.

Todos os temas de interesse dos grupos estão sendo trabalhados em formato de oficinas buscando contemplar assuntos como direitos sociais, políticas públicas, participação social e cidadania, redes governamentais e de proteção, igualdade racial, de gênero e ou de crença.

Dentro desta concepção, cada grupo constrói suas ferramentas de ação de acordo com seu próprio saber, respeitando as vivências e trajetória de seus participantes. São as demandas discutidas nas oficinas que apontam para que necessidades locais sejam resolvidas em conjunto com as lideranças dos territórios.

Para a coordenadora da Formação de Lideranças, a expectativa é que a partir destes encontros semanais as pessoas tenham clareza dos fluxos que podem seguir para a busca de seus direitos, que saibam quais são os seus deveres e que se apropriem dos recursos enquanto cidadãos em busca de seus direitos. “É importante que reflitam juntos sobre as necessidades e proponham ações a partir de suas experiências”, observou a coordenadora Carolina.

A expectativa é que o trabalho resulte na mobilização da comunidade para assuntos e reinvindicações dos moradores. “Esperamos empoderar pessoas para que participem ativamente de espaços de controle social, como por exemplo os Conselhos Municipais e da Conferência Municipal de Assistência Social”, avaliou Ana Lídia.