“Para além dos muros” tem equipe multidisciplinar que atende e reabilita os usuários em suas casas

Por Ingrid Vogl

Autonomia. Esta é a palavra-chave do projeto “Para além dos muros”, que tem como objetivo atender pessoas com deficiência visual em suas casas, entender quais suas necessidades e demandas e oferecer reabilitação, além de mediar o  acesso aos serviços, equipamentos e estrutura dos territórios onde moram.

Segundo Sandro Acosta, coordenador social do Instituto Campineiro dos Cegos Trabalhadores (ICCT), a OSC passou a fazer o caminho inverso ao fluxo de atendimento: antes o usuário ficava sabendo do serviço oferecido e vinha até a entidade,  agora  a  equipe faz uma busca ativa das pessoas com deficiência visual que estão em todas as regiões de Campinas, por meio de equipamentos públicos, como Centros de Saúde, Centros de referência de Assistência Social (CRAS), lideranças comunitárias, Núcleos de Ação Educativa Descentralizados (NAEDS) e vai até as pessoas.

A equipe multidisciplinar é composta por assistente social, educador social, terapeuta ocupacional e psicóloga. O primeiro contato é feito por telefone, depois é agendada uma visita para apresentar a equipe e explicar o projeto, tomando todos os cuidados que a pandemia pede, com uso dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI).

“Nessa primeira visita vamos verificar se a pessoa tem perfil para continuar o trabalho. Agora que estamos em pandemia, analisamos se tem condições de vir aqui no Instituto para fazer atividades orientadas pelos profissionais, como operar o celular, usar a bengala. No contexto normal, sem pandemia, esses ensinamentos seriam na rua, pelo bairro onde a pessoa mora, mas até tudo normalizar, adaptamos o projeto para dar andamento a ele”, explicou Sandro.

O projeto foi criado em 2019, a partir da demanda que foi observada pela equipe do ICCT durante as triagens, com um número expressivo de pessoas que ficavam por muito tempo em casa. “As pessoas ficavam segregadas porque não conseguiam acessar os serviços e tinham dificuldade de vir até a gente, então começamos a pensar que poderíamos ir até os territórios para divulgar o projeto e atender essas pessoas em casa”, explicou Juliana Padilha Moraes, assistente social.

Segundo Regiane Fayan, líder do programa Mobilização para Autonomia da Fundação FEAC, um dos eixos do programa é investir em projetos que incentivem o pertencimento ao território. “Isso significa que a pessoa com deficiência pode e deve frequentar diferentes contextos e equipamentos. O ICCT, ao observar esta necessidade do público que atende, rapidamente fez uma proposta que tem como principal impacto propiciar a inclusão da pessoa com deficiência visual na sociedade e mesmo com a pandemia, fez algumas adaptações nas ações para realizar os atendimentos e articular a rede”, disse.

Atendimento ampliado

Nem tudo na pandemia tem aspectos negativos. No caso do “Para além dos muros”, ela favoreceu a ampliação do alcance do projeto, que até março atendia pessoas nas regiões Sul e Noroeste, e agora atende toda Campinas.  Atualmente, a equipe trabalha com 13 usuários que recebem visitas em suas casas, orientações por ligações de vídeos, conversas pelo celular e até roteiro de atividades com famílias e crianças.

“Por meio da primeira visita da equipe, é analisado se a pessoa tem ou não autonomia, se utiliza os equipamentos do território. Quando a gente percebe que essa pessoa já tem isso, mas tem alguma outra necessidade, encaminhamos para outros serviços. Ainda não começamos com um atendimento sistemático semanal por causa da pandemia, então temos adaptado algumas atividades para que as pessoas façam em casa”, disse Juliana.

O perfil dos atendidos pelo projeto é de pessoas que adquiriram a deficiência visual devido a algum problema de saúde, como diabetes e hipertensão. Suas principais dificuldades são relacionadas à acessibilidade, tanto do mundo virtual quanto no real, como poder sair e fazer as coisas que costumava fazer: ir ao mercado, à farmácia, a um banco. Sem a reabilitação eles ficam limitados e muitos não conseguem fazer atividades rotineiras.

Mesmo com as adversidades causadas pela pandemia como o isolamento social e adaptações que precisaram ser feitas, já é possível perceber resultados entre os usuários que participam do projeto. “A gente percebe que eles já estão se incluindo, começam a usar a bengala, ir em lugares que não iam sozinhos, têm acesso ao mundo virtual. A cada semana a gente vê a evolução deles. Só de fazermos a primeira visita eles já se animam, porque sabem que têm uma nova perspectiva”, contou André Amaral de Andrade, educador social.

Além do desafio de incentivar as pessoas com deficiência visual a ter mais autonomia, outro cuidado da equipe multidisciplinar é o trabalho com as famílias. “Muitas vezes a família olha para a pessoa com deficiência como uma pessoa que dá trabalho. Em outras ocasiões é preciso trabalhar o medo que a família tem de permitir que a pessoa seja autônoma e tenha liberdade para alcançar novos voos. Procuramos criar um vínculo com a família, para que nos conheçam, entendam nosso trabalho, porque é preciso uma parceria para que haja continuidade e avanços”, explicou Leandra Lopes, psicóloga.

Capaz de ser

Odete Alexandrino Brito ficou cega há cerca de um ano devido a uma doença degenerativa que já vinha limitando cada vez mais sua visão. Seu maior desafio durante a pandemia tem sido conciliar o cuidado dos filhos e da casa.

“A equipe do projeto tem feito um trabalho muito importante para mim, principalmente neste momento de pandemia. Eles me orientam, fazem visitas para saber como tenho lidado com minhas dificuldades, me ensinam coisas novas para que eu seja cada vez mais independente e sempre me ajudam, principalmente com meus filhos. Tenho aprendido muito com a equipe e hoje me sinto capaz, sinto que posso aprender e fazer as coisas com autonomia”, disse.

Moacir Rosa Gomes mora sozinho, é comunicativo e gosta de buscar conhecimento e ajuda. Com cinco por cento de visão, ele conta que a partir da participação no projeto, começou a “ver” com o nariz, os ouvidos e as mãos.

“Hoje eu vou até o mercado na esquina de casa e até onde preciso pegar minha insulina, que fica a duas quadras de casa. Sei quando estou próximo à padaria e a pizzaria pelo cheiro”, disse.

Com a equipe do projeto, Moacir está reaprendendo a andar com autonomia, a manusear o celular, arrumar o quarto, diferenciar peças de roupa e a vesti-las, varrer a casa, passar roupa. “Cada aula que tenho aprendo algo a mais, e reforço em práticas do dia a dia. Quero seguir aprendendo sempre porque ainda há muito para saber”, disse.

Uma das coisas que Moacir mais gosta é manusear o celular. Segundo ele, antes não conseguia ligar o aparelho. Hoje, uma das atividades que mais lhe agrada é pesquisar com o aparelho sobre conhecimentos gerais, religião, história. “Hoje me sinto mais autônomo, mudei até a maneira de me comportar, e é muito bom não depender muito das pessoas. Me sinto mais seguro e quero seguir assim”, disse. Agora, ele planeja aprender a usar o aplicativo de conversas no celular e a contar dinheiro.

A equipe do “Para além dos muros” se orgulha dos avanços dos usuários. “Como o projeto tem foco na reabilitação, o sentimento que eles têm nos passado é de pertencimento a um contexto social, e cada avanço é comemorado”, disse André.

Dessa maneira, o projeto segue em busca de desconstruir a visão de que a pessoa com deficiência visual não é capaz de realizar e por outro lado, com foco na inclusão social dos usuários. Como todos, eles são capazes de ser autônomos, basta que se adaptem. Afinal, todos somos diferentes.

Projeto

Para além dos muros é uma parceria da FEAC com o ICCT que faz parte do programa Mobilização para autonomia, que investe em soluções com o objetivo de assegurar a inclusão efetiva das pessoas com deficiência. Se dedica a romper barreiras para que as pessoas com deficiência possam participar da sociedade e exercer plenamente seus direitos.

Saiba mais: https://www.feac.org.br/mobilizacaoparaautonomia/