Através da iniciativa, Guardinha trabalha a inserção de jovens com deficiência por meio da Aprendizagem Profissional

(Por Ariany Ferraz)

Para aumentar a empregabilidade dos jovens com deficiência e garantir o acesso ao mundo do trabalho, surge o projeto Lab Inclusão, uma parceria da Fundação FEAC com Associação de Educação do Homem de Amanhã (AEDHA), mais conhecida como Guardinha. O objetivo é que por meio da Aprendizagem Profissional1 possam ser atendidos jovens com deficiência, de 16 a 24 anos, no município de Campinas.

Financiado pelo Programa Mobilização para Autonomia (MOB) da Fundação FEAC, o Lab Inclusão visa contribuir com a superação de diversas barreiras encontradas pelas pessoas com deficiência, com a preparação social e técnica para o trabalho, possibilitando melhores oportunidades de remuneração, fortalecendo a autoestima e vínculos sociais.  “As mesmas pessoas com deficiência acabam por transitar entre uma empresa e outra e  é primordial dar oportunidades à todas. Quando estudamos metodologias e propostas que pudessem ser reaplicadas no município, notamos que a metodologia do emprego apoiado era a que mais viria ao encontro da solução que buscamos”, constatou Regiane Fayan, líder do Programa MOB.

A inserção no mercado de trabalho deve ocorrer de forma assistida, embasadA na metodologia do Emprego Apoiado, uma tecnologia social que atua de forma personalizada, para o acompanhamento psicossocial, desenvolvimento técnico das pessoas com deficiência e adequação do ambiente de trabalho (acessibilidade nos espaços, artefatos e relações sociais). Todo processo é centrado na pessoa e acontece com foco nas potencialidades e habilidades, para que haja uma inclusão de qualidade.

 

Antes de entrar na Aprendizagem Profissional, os jovens passam pelo Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, que faz parte da Proteção Social Básica. Primeiro o jovem chega pelo acesso do acolhimento, quando passa por uma entrevista. Eduardo Henrique Tedeschi, psicólogo do projeto, explica que nessa etapa são observadas as habilidades vocacionais, interesses e capacidades. A família também participa, pois tem um papel importante para o progresso do jovem. “É entender como a família vê essa pessoa e seus potenciais, para que ela possa desenvolver suas habilidades com todo o apoio necessário e desenvolva autonomia”, ressalta o psicólogo.

No serviço de convivência, com dois encontros semanais, são oferecidas cinco oficinas: informática, esporte, dança, artes circenses e cênicas, para que seja escolhida uma delas, de acordo com critérios de afinidade. Nessa etapa há um pedagogo que acompanha as atividades que são desenvolvidas por educadores que também observam as habilidades, comportamento, convivência, entre outras características, auxiliando na orientação e tomada de decisões futuras.

Através de uma equipe multidisciplinar os casos semanalmente são analisados para que a orientação aconteça. Atuam juntos Coordenadora Técnica, Assistente de Coordenação, Assistente Social, Técnico de Orientação Profissional, Supervisor Administrativo, Analista e Assistente de Recursos Humanos. Com a avaliação de cada pessoa atendida é feito o mapeamento de vagas, para buscas de acordo com o perfil identificado, encaminhando o jovem ao Programa de Aprendizagem Profissional.

“Todos os meninos e meninas que estão aqui têm um potencial enorme para o mercado de trabalho, principalmente porque eles têm o desejo muito grande de trabalhar. Essa vontade já facilita muito o processo de inclusão”, ressaltou Eduardo. No serviço de convivência, Antônio de Oliveira, 19 anos, que possui Transtorno do Espectro Autista (TEA), conta que já trabalhou com reposição de mercadoria e que quer encontrar uma nova oportunidade para ter uma renda.

“Meu foco é desenvolver mais as minhas capacidades. Quero ter um trabalho! Para ter uma renda boa e me ajudar, porque o trabalho ajuda a ter responsabilidade, crescer e ter mais maturidade”, revelou Daniel Wesley, 23 anos, que possui deficiência física. Ele já trabalhou vendendo trufas e perfumes e agora quer encontrar um trabalho melhor, e já enfatiza o interesse na área administrativa.

“É bom para aprender mais, conversar mais com as pessoas e para ter um trabalho”, disse Maria Luiza, 19 anos, que terminou o ensino médio, faz curso de informática e agora está participando também do Lab Inclusão. Carla Monteiro, pedagoga e mãe da Maria, contou que a jovem sempre teve apoio de toda família.  Sobre autonomia, ela pontua que embora Maria Luiza tenha amigos com quem costuma sair para o cinema, shopping, entre outras atividades, a questão do transporte para melhor mobilidade ainda é um desafio a ser superado.

Inclusão com apoios necessários

“Primeiro incluir! Com o jovem já colocado na vaga, em seguida vem o suporte. Entendemos a cultura da empresa, o ambiente organizacional, conscientizamos e capacitamos”, observou Eduardo. Quando o jovem é contratado por meio da Aprendizagem Profissional, a Guardinha, junto com a empresa, realiza a sensibilização da equipe e integração, para que todos estejam preparados para acolher, incluir e se tornarem apoios. Também, é feito o mapeamento de todo processo de trabalho da vaga assumida, para adequação e inserção de suportes.

Além de escolher uma pessoa de referência que estará mais próxima do jovem aprendiz, considerando a diversidade das deficiências – auditiva, visual, intelectual, física e o transtorno do espectro autismo – são implantados os variados apoios, para facilitar a realização do trabalho e garantir a acessibilidade. A empresa é orientada a buscar a tecnologia assistiva, com recursos, equipamentos, objetos e espaços adaptados.

“A maior dificuldade é a barreira atitudinal, que é o modo de se relacionar com a pessoa com deficiência”, alerta Eduardo. Ele também revela que a própria instituição está adaptando os espaços para diminuição de barreiras arquitetônicas. A pedagoga Silvania Nascimento contou que o projeto despertou tanto nos profissionais quanto nos alunos a consciência e o preparo para acolher. “Como em todas as escolas já viviam situações como bullying e preconceito, decidimos trabalhar com todos os nossos jovens a sensibilização e também com os educadores, por meio de dinâmicas, debates e trabalhos cooperativos. E tivemos respostas muito positivas. Foi quebrando paradigmas e preconceitos”, ressaltou Silvania sobre o processo de inclusão.

Para se adequar e aplicar a nova metodologia, a equipe da Guardinha foi capacitada por consultores especializados do Instituto de Ensino e Pesquisa da Apae de São Paulo. Além de participarem de uma semana de curso com seis horas diárias, realizaram uma imersão presencial, de 20 horas semanais, para conhecer de perto como a metodologia é aplicada na prática na instituição.

“Nós já trabalhamos com inclusão, no contexto da vulnerabilidade social. Mas é um desafio por ser algo novo e a capacitação nos ajudou muito”, avaliou Daiane Paranhos, pedagoga na Aprendizagem Profissional. A psicóloga Daiane Gomes contou que já teve experiência com pessoas com deficiência trabalhando como empresa e agora estará como instituição ajudando na inclusão. “É muito interessante ver como tudo funciona, entender o começo do processo e conseguir ampliar a visão e prática do que devemos adequar”, disse Daiane. “Estamos fazendo alteração dos materiais, repensando as atividades, deixando-as lúdicas, entre outras mudanças que facilitem a compreensão de todos”, completou Eduardo.

“A gente é preparado para trabalhar. Faz parte do processo de aprendizado de qualquer jovem, eles sonham com isso. A partir do momento que as pessoas estão incluídas no mercado de trabalho, elas estão incluídas pra vida”, destaca Márcia Pessoa, pedagoga e palestrante da Apae de São Paulo, sobre a importância do trabalho.

Aprendizagem Profissional

A capacitação ocorre de forma concomitante com todo processo. São três formações disponibilizadas: Arco Ocupacional em Administração, Auxiliar Administrativo e Comércio Varejista. Dividida em fases, as formações oferecem orientações e conteúdos que constam em cada plano de ensino. A inclusão de pessoas com deficiência através da aprendizagem profissional possibilita maior qualificação e oportunidades, não só para a pessoa com deficiência, mas também para a empresa.

 

Mais do que incluir no mercado de trabalho, a formação também busca proporcionar qualidade de vida e transformação social. Deve ser compatível com o desenvolvimento físico, moral e psicológico do jovem, trabalhando competências pessoais (aprender a ser), relacionais (aprender a conviver), cognitivas (aprender a conhecer) e produtivas (aprender a fazer). Pautada em vivenciar experiências, são utilizadas estratégias pedagógicas que garantem a participação ativa de todos os envolvidos no processo socioeducativo.

A última fase é a do acompanhamento, onde são realizadas visitas às empresas e suporte de instrumentos específicos para avaliação do processo de desenvolvimento dos jovens. O monitoramento permite observar a adequação das atividades e melhorias. Depois, progressivamente, o técnico que acompanha vai se distanciando a fim de que possa haver autonomia completa do jovem na empresa. Amanda Pedrini, Coordenadora Técnica do projeto, esclarece que o acompanhamento in loco já era uma das atividades realizadas, mas que o Emprego Apoiado aperfeiçoou o trabalho.

A meta é a inclusão de 100 jovens no período de 1 ano, graças a parceria com empresas. Márcia da Apae SP pontua que um dos principais  desafios no município é a busca do público-alvo. “Sabemos que existem muitos jovens com deficiência nessa faixa etária e que eles não estão plenamente inseridos na sociedade. Temos uma busca ativa muito grande nesse processo”. Ela aponta que a busca por parcerias com entidades que desenvolvem o trabalho e com toda rede de atendimento socioassistencial, além de escolas, pode ser um caminho.

Segundo dados do Censo 2010 há 153.097 pessoas com deficiência em idade de trabalho em Campinas. Já segundo dados da RAIS 2014, 5.009 pessoas com deficiência estavam ocupadas, sendo 2.390 (deficiência física), 981 (deficiência auditiva), 641 (deficiência intelectual), 462 (deficiência visual), 66 (deficiência múltipla) e 469 (reabilitado). Ainda apontou que em 2015 havia 3.260 pessoas com deficiência/reabilitadas contratadas, apenas 51,5% das cotas foram preenchidas na época, porém se todas as empresas do município com mais de 100 funcionários cumprissem a lei de cotas a previsão seria de 6.336 pessoas contratadas.

Além de cumprir com a Lei de Cotas, a empresa tem um prazo maior para as adequações e permite que o aprendiz incorpore progressivamente as rotinas da empresa e se torne um profissional mais confiante e capacitado. No caso de empresas que não conseguem atender simultaneamente as cotas obrigatórias para pessoas com deficiência e de aprendizagem profissional, é possível firmar um Termo de Compromisso com o Ministério do Trabalho e Emprego adiando a cobrança da multa relativa a Lei de Cotas, preenchendo as vagas de aprendizes para pessoas com deficiência por dois anos, com contratação posterior.

Programa MOB

O Programa Mobilização para Autonomia (MOB) é uma iniciativa da Fundação FEAC que investe em soluções com o objetivo de assegurar a inclusão efetiva das pessoas com deficiência. Se dedica a romper barreiras para que as pessoas com deficiência possam participar da sociedade e exercer plenamente seus direitos.

Informações: (19) 3772-9699 e (19) 99368-1998

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1 Atendendo à Lei 10.097/2000.