(Por Laura Gonçalves Sucena)

Sem dúvida, um dos eventos mais esperado da 9ª Semana da Educação de Campinas – projeto do Programa Educação da Fundação FEAC, foi a ‘Conversa com o Professor José Pacheco – As novas construções sociais’. O educador português e idealizador da escola da Ponte (Portugal) começou o bate-papo provocando a plateia a interagir e falando que não se pode apenas discutir a educação. É preciso agir.

Para o professor, a primeira atitude de um educador é perguntar o que as pessoas querem saber, qual o interesse delas e o que as levou até onde estão. “Por isso, estou aqui para fazer um convite, que é simultaneamente um apelo, para que as pessoas se questionem: Por que os professores dão aulas tão bem dadas e os alunos não aprendem?”, questionou.

De acordo com Pacheco, os índices de desenvolvimento no Brasil são lamentáveis. Além disso, existe a evasão. Então, é preciso convidar os professores a refletirem sobre o que é preciso fazer. “Como os educadores são inteligentes, rapidamente irão concluir que numa aula não se aprende nada além do domínio de comportamentos e atitudes. Então, meu convite vai além: a constituição diz que a educação é um direito de todos, então convido todos a fazerem alguma coisa, uma nova construção social”, propôs.

O pedagogo português enfatizou que a aula tradicional é um sistema ultrapassado de reprodução de conteúdo que deixa a desejar naquilo que acredita ser o principal objetivo da educação: a humanização do indivíduo. “O Brasil precisa compreender que o futuro da educação está aqui e não em modelos europeus. Quais são os autores que influenciam as escolas brasileiras? Vygotsky, Piaget? Não vejo autores brasileiros nas bibliografias das teses, a não ser Paulo Freire. Mas eu ainda não vi Paulo Freire em nenhuma sala de aula… Está apenas em teses universitárias. Temos grandes nomes, como Lauro de Oliveira Lima! Um país como este, que tem os maiores educadores que eu já conheci, não os conhece”, ponderou.

Talento e potencial

Para o professor, as escolas precisam cumprirem, efetivamente, seus projetos político-pedagógicos (PPP). “Se fizermos uma análise de conteúdo dos PPPs das nossas escolas, concluiremos que quase todos contêm termos como autonomia, cidadania, solidariedade… Porém, nunca vi um PPP que contemplasse o seu texto como valor a ser desenvolvido na prática”, provocou.

É preciso desenvolver talentos e potenciais das pessoas. O professor citou três dimensões curriculares: o currículo da subjetividade, em que cada pessoa aprende com o objetivo de desenvolver competências, talentos e ter realização pessoal; currículo da comunidade, com pesquisa e conhecimento a serviço do local; e consciência universal, que é a construção de projetos que visam a sustentabilidade das pessoas, da comunidade e do planeta.

Pacheco também falou sobre a vontade da mudança, alertando que escolas são pessoas e pessoas são seus valores. “As escolas não são edifícios, são projetos que partem de valores e de princípios e nós fomos indo ao encontro de uma concretização desses valores”, comentou. Questionado sobre o que é preciso fazer para implantar um projeto como o Ancora (Cotia/SP), o professor citou a vontade de fazer acontecer e a criação de um Núcleo de Projetos.

“É preciso encontrar três ou mais pessoas que compartilham o mesmo propósito, de implantar uma nova forma de educação num determinado território. É preciso procurar pais, prefeitos ou outras pessoas interessadas em mudar a educação e agir. O processo de mudança é lento e contraditório, mas acontece e tudo que eu falo que é possível é porque eu já fiz e deu certo. E falo de coisas que deram certo aqui no Brasil”, revelou.

Para o professor, numa aula não se aprende. Aprende-se no contexto de projetos, com roteiros de pesquisa, com mediação pedagógica devidamente feita e com avaliação formativa contínua e sistemática, preferencialmente com portfólios digitais de avaliação.

Vínculo

Pacheco também falou da importância do vínculo entre educador e aluno. “Me apaixonei pela minha professora de francês e sou fluente até hoje”, brincou. A mensagem deixada mostra que mudanças atitudinais acontecem quando duas pessoas estabelecem um vínculo.

Para Pacheco, o professor é o agente da mudança na educação e a sua relação com os alunos é a chave para a excelência humana e acadêmica. “Aprendizagem é doação. E somente pode haver aprendizagem quando existe vínculo”, reiterou.

Entre histórias e muita descontração, a mensagem de mudança deixada pelo educador português foi certeira e conquistou a plateia. A professora universitária Monica Gobita acredita que a mudança depende de pessoas comprometidas. “A ideia de transformar a educação da raiz para fora está tomando corpo. Algo tem que ser feito, como falou o professor José Pacheco, porque já está constatado que o modelo tradicional não funciona mais”, disse.

Rony Vianna, radialista, aprovou cada minuto do encontro. “Acredito que as mudanças são possíveis a partir do momento que entendemos que a educação são pessoas. Temos que colocar em prática essas mudanças, apesar das questões culturais e políticas públicas. É preciso criar um núcleo com pessoas interessadas em fazer acontece”, concluiu.

Para a líder do Programa Educação da FEAC, Cláudia Chebabi, o bate-papo com o professor Pacheco foi ao mesmo tempo provocativo e inspirador. “Provocador, pois durante toda conversa ele convoca as pessoas envolvidas com a educação a não se eximirem da responsabilidade de formar cidadãos de forma integral, preparados para agirem de forma autônoma, ética e responsável nesta sociedade. E inspirador, na medida em que consegue apresentar e dividir com o público presente iniciativas que rompem ciclos viciosos de abandono escolar e aprendizagem sem significado para o aluno”, falou.

De acordo com Cláudia, dados demonstram o quanto o sistema educacional brasileiro tem sido pouco eficiente. “Não conseguimos com que os alunos aprendam e tão pouco, conseguimos com que os alunos terminem o ensino básico. De acordo com dados produzidos pelo Todos Pela Educação, no Brasil de cada 100 estudantes que ingressam na escola, apenas 59 concluem o ensino médio até os 19 anos. Embora estes dados sejam péssimos, conversar com o professor Pacheco foi uma grande oportunidade de ampliar olhares para caminhos possíveis de superação deste cenário. É importante reconhecermos que o Brasil tem no seu campo educacional pessoas e instituições capazes de contribuir de forma objetiva e eficaz na construção de uma escola em que o aluno e seu desenvolvimento sejam prioridades”, finalizou.

Semana da Educação

Com 26 atividades gratuitas entre palestras, oficinas, exposições, mesas redondas, apresentações culturais e outras, a 9ª Semana da Educação de Campinas aconteceu de 22 a 29 de setembro em vários pontos da cidade. O tema da edição 2018 do calendário de eventos foi “Conectar educação, superar desafios”, pensando nas múltiplas conexões que a educação faz com áreas como economia, saúde, segurança e cidadania, contribuindo para a transformação de uma sociedade mais inclusiva e igualitária.

A Semana da Educação é um projeto do Programa Educação da Fundação FEAC. A iniciativa pretende mobilizar a sociedade para o debate sobre os diversos temas da educação energizá-la em prol de uma educação pública cada vez melhor.

A edição 2018 da Semana da Educação teve patrocínios da Fundação Educar DPaschoal e Iguatemi Campinas.

Programa Educação

O Programa Educação é uma iniciativa da Fundação FEAC que investe em projetos que contribuem para uma educação pública cada vez melhor, como pilar fundamental para o desenvolvimento da sociedade.

Saiba mais: https://www.feac.org.br/semanaeducacao2018/ https://www.feac.org.br/educacao/