(Por Ingrid Vogl)

Um mundo de conhecimento, imaginação e criatividade se abre todos os dias no Instituto Dom Nery. Isso porque lá, o incentivo à leitura entre as crianças é levado a sério por toda a equipe da escola de educação infantil que é parceira da Fundação FEAC.

De forma lúdica e prazerosa, as crianças participam de contações de histórias, produção de textos coletivos, teatro de fantoches, visitas à biblioteca da escola e empréstimo de livros. Tudo isso contribui para a formação e desenvolvimento de um aluno leitor e impacta positivamente no processo de alfabetização que acontece na transição da educação infantil para o ensino fundamental.

Recentemente, uma pesquisa apresentada durante o Encontro das Sociedades Acadêmicas Pediátricas de 2017, revelou que ler livros para uma criança na primeira infância pode aumentar o vocabulário e as habilidades de leitura nos anos posteriores, com efeitos duradouros em relação à linguagem e alfabetização. Mas isso deve ser feito aliando-se quantidade de livros lidos e qualidade da leitura, com problematizações e discussões sobre a história com as crianças.

Segundo Vânia Borges Albanez, diretora educacional do Dom Nery, o principal foco do projeto pedagógico da escola é o trabalho com a leitura. “Ela é a menina dos olhos de nosso trabalho pedagógico, porque não pode existir uma escola sem um projeto de leitura. Muitas atividades com as turmas de crianças têm a intencionalidade de despertar o interesse pela leitura de diferentes formas. A leitura que vai permear e reunir o foco do aprendizado em todas as áreas é a porta de entrada para outros conhecimentos”, explicou.

Na escola, os profissionais possuem um planejamento de trabalho com a leitura que é avaliado constantemente por meio de retornos das educadoras, interesses das crianças e resultados alcançados com o incentivo à leitura. O objetivo é sempre aprimorar este processo e trabalhar da forma mais adequada com as crianças.

“Quando incentivado, o aluno se interessa muito pela leitura. A contação de histórias é uma atividade que acontece todos os dias e faz parte do planejamento pedagógico e diário das professoras. E as histórias trabalhadas sempre possuem uma intencionalidade de despertar o interesse, ensinar valores, sentimentos e emoções”, explicou Vânia.

Intencionalidade

Aparecida de Fátima Kis, professora de educação infantil, trabalha constantemente com fantoches para incentivar a leitura em seus pequenos alunos. “Ensinar por meio da história é mais fácil. Assim, eles entram no mundo da magia e de forma lúdica, evoluem e assimilam com mais rapidez questões como afetividade, amor ao próximo”, explicou.

Já o projeto de leitura da turma de crianças de cinco anos comandada pela professora Rosane Aparecida Barboza Teles, tem como objetivo a criação de um livro de autoria dos alunos e da educadora. Segundo ela, este ano o projeto está trabalhando com a leitura de notícias diárias de jornal. Para isso, Rosane apresentou o material impresso, seu conteúdo, os cadernos temáticos e assim, os pequenos foram se familiarizando com o material, que é discutido pelo menos uma vez ao dia.

O resultado do trabalho de incentivo à leitura na escola são alunos mais questionadores, que ampliam seu vocabulário e que já fazem a produção de textos coletivamente. A partir de temas das matérias jornalísticas são feitas produções orais dos alunos. “Por exemplo, após a leitura de uma notícia sobre a febre amarela, um aluno comentou que sua mãe desconhecia o assunto. A partir daí surgiu a ideia de escrever um texto deles que foi afixado na escola e também enviado para as famílias para divulgar amplamente o assunto”, contou Rosane.

A professora também trabalha com a leitura de imagem e a produção de listas a partir do que os alunos trazem de casa para a sala de aula. “As crianças trazem muito conhecimento a partir de suas vivências em família, do que ouvem e veem na televisão, das conversas, e querem discutir sobre os temas. E por isso, o educador precisa estar preparado para chegar em sala de aula e ter métodos para conseguir adequar o que o aluno está trazendo de casa com seu trabalho pedagógico. Não é tarefa simples, mas tem resultados incríveis, como o desenvolvimento de crianças críticas e questionadoras”, avaliou.

De acordo com Adriana Nunes da Silva, assessora técnica do programa Primeira Infância em Foco (PIF) do Departamento de Educação da FEAC, apresentar e trabalhar com diversos portadores de textos é fundamental na educação infantil. Um portador de texto é um objeto que carrega um registro escrito, como jornais, revistas, gibis e outros. Apesar de ainda não saber ler, ter contato constante com esses materiais e saber suas características, contribuirá para que ao se deparar com eles, quer seja dentro ou fora do ambiente escolar, a criança consiga prever que tipos de conteúdos estão apresentados.

O trabalho que os profissionais do Instituto Dom Nery desenvolvem é a garantia de que as crianças estão imersas em um contexto letrado. Algumas atividades com os portadores de textos além de ampliar as noções da criança sobre os diversos usos da leitura, também direciona a atenção para aspectos formais da escrita. “É a partir das práticas de leitura que as crianças vão percebendo e compreendendo a função da escrita para fins diversos e em práticas de interação social”, finalizou Adriana.

Integralidade

Aliadas ao trabalho de incentivo de leitura desenvolvido em sala de aula, as atividades realizadas na biblioteca da escola são uma continuidade das ações pedagógicas desenvolvidas em sala de aula pelas professoras. Carla Maria de Melo, pedagoga e voluntária responsável pelo espaço onde fica o acervo, explicou que o trabalho desenvolvido no local é coordenado com os projetos de leitura que cada uma das educadoras desenvolve em sala de aula.

Segundo Carla, os cerca de 5 mil livros que compõem o acervo são adequados à faixa etária das crianças, que possuem de 3 a 5 anos e 11 meses de idade. “Ali, as crianças aprendem que a biblioteca é um lugar de leitura e tranquilidade e que o empréstimo de livros que são levados para casa deve envolver os cuidados como não rasgar nem sujar, para que outras crianças também possam usá-los”, explicou.

Na hora do empréstimo, os pequenos entram felizes na biblioteca e vão direto para as prateleiras escolher – principalmente atraídas pelas imagens – a publicação que querem levar para casa. “Sempre incentivamos os familiares a lerem para as crianças, mas se isso não for possível, incentivamos a leitura imaginativa dos pequenos por meio das imagens. É importante que exista a continuidade do incentivo da leitura em casa, porque tudo isso é essencial para que seja criada uma boa base de transição para o ensino fundamental, sempre avançando em relação à leitura e escrita”, disse a voluntária.

A pedagoga contou que em muitos casos, são as próprias crianças que cobram dos pais a leitura em casa. “Isso acabou aumentando o número de pais que hoje criaram o hábito de ler para os filhos. Quando temos este tipo de retorno das famílias é muito gratificante”, disse.

Para que haja uma interação da criança junto à família por meio do livro, no momento do empréstimo uma ficha de leitura vai junto com o exemplar. Nela, as crianças são convidadas a desenhar sobre a história e os pais comentam sobre o conteúdo, como uma espécie de relatório. Em um segundo momento, as professoras analisam ficha por ficha e dão retornos em conversas de roda com as crianças, em um grande bate papo sobre as leituras que os pequenos fizeram. Ao fim do ano, os relatórios retornam para as famílias.

A biblioteca é tão valorizada pela comunidade escolar do Dom Nery que em breve se mudará para uma sala mais ampla e aconchegante, toda decorada para instigar os pequenos a se interessarem cada vez mais pela leitura.

Impactos em fases seguintes

Muitos dos alunos que saem do Dom Nery são matriculados na Escola Estadual Profª Adiwalde de Oliveira Coelho, e lá é nítido para as educadoras a influência que o incentivo à leitura causa nos alunos que são ali alfabetizados.

“As crianças que são influenciadas e já possuem essa bagagem relacionada à leitura chegam com um repertório cultural mais consistente e isso é possível notar no vocabulário, na visão de mundo, no imaginário. São crianças mais críticas, participativas e que recontam histórias com facilidade”, enumerou Aline Marques Giungi Castro, professora alfabetizadora.

Ela conta que nos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano) realiza um trabalho baseado em diversas modalidades de leitura, principalmente na oralidade e leitura compartilhada – em que cada aluno lê um trecho do texto e a partir de questionamentos da professora, os assuntos são comentados coletivamente. O intuito é desenvolver o prazer pela leitura entre as crianças com a intenção de desenvolver a compreensão e interpretação de texto.

Outra maneira eficaz de alfabetização, segundo Aline, é o reconto autoral, quando a educadora lê textos e os alunos recontam e reescrevem trechos da história. Os diversos gêneros textuais, como informativos, poemas, piadas, contos de fadas, cartas, entre outros, também são trabalhados para que a criança tenha um repertório de qualidade tanto na leitura quanto na escrita.

“É fundamental para a criança ser um leitor proficiente para que se crie o hábito da leitura e isso se torne constante em sua vida. Por isso, é tão importante incentivar mais as crianças nas etapas anteriores ao ensino fundamental a criarem o gosto pela leitura”, analisou Aline.

E construindo criticidade em crianças que conseguem se expressar de maneira simples e questionadora, a leitura descortina um mundo de letras, palavras, frases e textos que permeiam o cotidiano desses pequenos cidadãos.