Por Frederico Kling

Em 1964, o casal Odila e Lafayette Álvaro doou à Fundação FEAC a Fazenda Brandina. Provavelmente, eles não sabiam, mas ali deram o pontapé inicial para o que viria a se tornar um endowment, ferramenta de financiamento do terceiro setor muito usada principalmente nos países anglo-saxões, mas até hoje pouco conhecida no Brasil, onde recebe o nome de fundo patrimonial.

Trata-se de um instrumento que tem por objetivo gerir recursos e usar os rendimentos para o investimento social privado. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Universidade Harvard tem um fundo patrimonial de U$ 41,9 bilhões. Já a Fundação Bill & Melinda Gates conta com um fundo de U$ 49.8 bilhões.

“Nos EUA, essa é uma ferramenta já muito disseminada, as mais importantes universidades e organizações da sociedade civil têm fundo patrimonial. Trata-se de uma estrutura que garante a sustentabilidade financeira, perenizando recursos”, explica Andrea Hanai, gerente de projetos do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), que tem sido um dos principais defensores dessa estrutura no país.

No Brasil, apesar de serem pouco conhecidos, os fundos patrimoniais são usados por algumas das mais conhecidas OSC do país, como a Fundação Bradesco, a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal e o Instituto Alana.

Do mato ao shopping

Apesar da generosidade da doação, a fazenda demorou um bom tempo para deixar de ser um ônus e começar a dar frutos para a FEAC, o que só aconteceu quando a região, antes rural, começou a ser englobada pela urbanização.

“Era um grande pasto, não tinha atividade econômica. Mas, em meados dos anos setenta, a FEAC foi procurada por um grupo que queria construir um empreendimento comercial, inaugurado em 1980”, conta Arnaldo Rezende, superintendente patrimonial da FEAC.

A Fundação tornou-se, então, coproprietária de 30% do Shopping Iguatemi Campinas e, em dois anos, conseguiu se tornar financeiramente autônoma, garantindo sua sustentabilidade com o que recebia do empreendimento. Com isso, pôde ‘abrir mão’ das doações da comunidade, e fez uma campanha para que seus doadores passassem a apoiar as OSC parcerias da FEAC.

No decorrer dos anos, a Fundação fez outros investimentos imobiliários no terreno doado, aumentando seus recursos. Em 2017, houve a criação de duas áreas na FEAC: uma para a atividade-fim, que realiza os programas sociais; outra, para a atividade-meio, que administra seus recursos, liderada por Arnaldo Rezende

Normatização

Em 2011, o IDIS entrou de cabeça na luta pela disseminação e normatização dos fundos patrimoniais. Foi a chegada da atual diretora-executiva Paula Fabiani, que havia estruturado o endowment da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, que fez o instituto abraçar a pauta.

“Não havia segurança jurídica sobre a criação e gestão de fundos patrimoniais. Os que existiam tinham até uma grande robustez institucional e de governança, mas apenas por voluntarismo das OSC que os criaram”, diz Andrea, também do Idis.

Em 2019, foi sancionada a lei 13.800, que normatiza a constituição de fundos patrimoniais. A principal novidade foi a possibilidade de instituições públicas criarem esse tipo de instrumento para receberem recursos privados. A criação da norma foi muito influenciada pelo incêndio do Museu Nacional, em 2 de setembro de 2018, e pela posterior mobilização da sociedade civil em torno de sua reconstrução.

A lei também tem novidades para os fundos patrimoniais privados. “Ela traz uma rigidez maior em relação aos gastos, limitados ao rendimento real do patrimônio. Também diz que devem ter uma personalidade jurídica própria, separada da instituição cuja causa irá financiar. Essas duas medidas garantem a perenidade do recurso contra eventuais descontroles”, diz Andrea.

As organizações podem ou não adaptar seus fundos já existentes à lei de 2019. A FEAC entendeu que, por causa da robustez institucional do seu endowment, não havia motivos para fazê-lo. Arnaldo Rezende, porém, diz que a nova norma poderá ser seguida, por exemplo, num caso em que a Fundação decida criar um novo fundo para algum fim específico.

O IDIS lançou, em outubro de 2020, uma nota técnica sobre a criação de fundos patrimoniais sob a nova lei, para as organizações que tenham interesse em usar essa ferramenta.

Tempos de crise

“Uma vocação dos fundos patrimoniais é ajudar as OSC nos tempos de crise”, afirma Andrea. O da FEAC passou pelo seu grande teste justamente durante a pandemia.

Com o shopping fechado uma boa parte do ano, a receita da Fundação caiu substancialmente em 2020, comparada a 2019. Mas isso não afetou seu investimento social privado, pois havia recursos em caixa, justamente para garantir a sustentabilidade em momentos graves como o atual.

Para 2021, apesar do cenário econômico ainda muito negativo, a Fundação prevê um aumento de 3% nos recursos para sua atividade-fim. Na verdade, mesmo se houver receita zero no fundo, a FEAC tem recursos em caixa para sustentar suas atividades pelos próximos três anos. E isso é um exemplo da robusta sustentabilidade financeira que os fundos patrimoniais trazem para o terceiro setor.

Revista Narrativa Social edição 4 - Impulsionando OSC

Edição 4 – Impulsionando OSC

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