Por Mariana Silva Pedro e Guilherme Braga da Rocha Ribeiro

O princípio da igualdade não é algo recentemente criado ou ofertado. Ele foi construído ao longo da história e teve os mais diversos significados. Aristóteles, por exemplo, tem a famosa frase “tratar igualmente os iguais, e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades”. Contudo, ainda assim, as Cidades-Estado gregas não consideravam cidadãos e, consequentemente, não tinham seus direitos em sua plenitude, os incapacitados para a vida civil, as mulheres, as crianças, os estrangeiros e os escravos.

Somente a partir do século XVI, com as revoluções burguesas na Europa e em especial, a Francesa de 1789, o princípio da igualdade obteve a importância jurídica, social e econômica da época. Como exemplo, a promulgação da “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, documento essencial pós Revolução Francesa, cujo artigo 1º dispõe que “os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum”. Além disso, a revolução trouxe princípios como o sufrágio universal, soberania popular e, entre outros, destaca-se a igualdade formal, na qual todos são iguais perante a lei e o Estado não fará distinções entre as pessoas. Entretanto, tal princípio é insuficiente para garantir a plena inclusão e o alcance à igualdade na realidade fática.

Para isso, é necessária a efetivação do princípio da igualdade na sua concepção material ou fática, como garantidora de direitos e oportunidades às minorias desfavorecidas socioeconomicamente, de forma a construir esses direitos e reconhecê-los como partes essenciais à autonomia e a igualdade de oportunidade dessas pessoas com as demais.

Quanto às pessoas com deficiência, historicamente, não eram reconhecidas como parte integrante da sociedade e tiveram seus direitos civis e políticos excluídos. Durante muito tempo, desde os primórdios da civilização até praticamente a segunda metade do século XX, as pessoas com deficiência eram consideradas seres inferiores, incapazes, inválidos e inaptas para o exercício de seus direitos, além de não serem reconhecidas com o restante da sociedade. A Constituição Brasileira de 1891, por exemplo, em seu artigo 71, dispunha que os direitos de cidadão brasileiro eram suspensos ou perdidos com a “incapacidade física e moral”.

Com o fim das Grandes Guerras Mundiais, o advento da Organização das Nações Unidas (ONU) e a preocupação com a tutela dos Direitos Humanos, surge o conceito fundamental da dignidade da pessoa humana, princípio promotor pela inclusão e vida digna para as pessoas com deficiência. A fim de tutelar a plena participação das pessoas com deficiência no âmbito comunitário e promover a efetivação de seus direitos, surgiram, dentre outras, a Convenção  nº 159/83, da Organização Internacional do Trabalho, para “readaptação profissional e ao emprego de deficientes” de maneira a consolidar o princípio da igualdade; o artigo 5º da Constituição Federal Brasileira em que dispõe que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”; a Lei Brasileira nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, que legisla sobre o “apoio às pessoas portadoras de deficiência e institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas” e, por fim,  a Convenção de Direitos das Pessoas com Deficiência de 2007, ratificada pelo Brasil em 2008 e incorporada ao ordenamento jurídico em 2009, em que promove o princípio da dignidade da pessoa humana; a eliminação de quaisquer meios discriminatórios às pessoas com deficiência, bem como a promoção pela  igualdade de oportunidade com os demais sujeitos  e a  participação social, política , econômica e cultural.

Capacidade de Direito, Capacidade de Exercício e Interdição no Brasil

A partir do nascimento com vida, qualquer pessoa se torna sujeito de direitos, ou seja, ela passa a ser titular de direitos e deveres, inclusive, para estabelecer relações jurídicas com outros sujeitos de direito. A isso, dar-se-á o nome de capacidade, que pode ser compreendida de duas maneiras. A primeira, a capacidade de direito, ou de gozo, é o sujeito que adquire direitos simplesmente por existir, sendo este inerente a todas as pessoas. Já a segunda, a capacidade de exercício, ou de fato, dar à pessoa que possui a capacidade de direito para praticar seus próprios atos de sua vida civil, não necessitando de representação ou auxílio para tomar as decisões que lhe dizem respeito.

Aqueles que têm a capacidade de direitos e a capacidade de exercício são conhecidos como plenamente capazes.

Cumpre ressaltar que, não necessariamente o sujeito com capacidade de direito venha a exercer sua capacidade de exercício. E é este o ponto cerne da questão da igualdade formal e material às pessoas com deficiência.

O Código Civil de 2002 legislou sobre os conceitos da incapacidade absoluta e relativa, de modo que inseriu as pessoas com deficiência no rol desses dois institutos jurídicos.

A incapacidade absoluta consiste naquelas pessoas com restrição total para a prática dos atos de sua vida civil. Desse modo, esses sujeitos necessitam de representação para agirem conforme os interesses dos absolutamente incapazes. Já os relativamente incapazes estão restritos a certos atos ou à maneira de os exercer. Tanto a incapacidade absoluta como a relativa são entendidas como conceitos excepcionais.

A teoria das capacidades com o advento da Lei Brasileira de Inclusão

Com a vigência da Lei Brasileira de Inclusão nº 13.146/2015 foram alterados os artigos do Código Civil que incluíam as pessoas com deficiência como absolutamente e relativamente incapazes.

Assim, com a nova redação do Código Civil, passa-se a ter um novo conceito de capacidade, de maneira inclusiva e não discriminativa às pessoas com deficiência, não somente garantida a igualdade formal, como também a igualdade material, de modo que essas pessoas passam a exercer sua capacidade   a fim de manifestar suas vontades e autonomia em suas decisões relacionadas à família, sexualidade, reprodução, patrimônio, trabalho e outros assuntos de seus interesses.

É certo que a vigência da Lei Brasileira de Inclusão traz o desafio sociocultural em incluirmos as pessoas com deficiência à participação política, cultural, econômica e social, promovendo sua autonomia e dignidade, bem como conscientizar a sociedade da importância em se diminuir as desigualdades materiais, enxergando as pessoas com deficiência como sujeitos de direito, capazes de praticar seus atos da vida civil.

Desafios Jurídicos

A partir do advento da Lei Brasileira de Inclusão surgem desafios quanto à inclusão das pessoas com deficiência perante as demais pessoas da sociedade. Primeiramente, é preciso ter um real entendimento do princípio da igualdade como busca de equilíbrio, não cabendo mais a definição sob um prisma biomédico, portanto, não se admitindo mais a deficiência como uma patologia, bem como destinatárias de caridade e assistencialismo.

Para isso, é preciso que a sociedade reconheça os direitos das pessoas com deficiência, de maneira a promover a participação social dessas pessoas nos espaços públicos e formuladores de políticas públicas, para que sejam protagonistas das decisões que o Estado vier a decidir.

Não menos importante é o comprometimento das demais pessoas em mudar os antigos conceitos e comportamentos em relação às pessoas com deficiência, de modo a estarem juntas nas reivindicações e efetivação dos direitos humanos.

A lei existe, contudo, para que se tenha a sua eficácia social.  É preciso ser compreendida no seio da sociedade, para que esta seja transformadora e cumpra a finalidade da Lei Brasileira de Inclusão.

Mariana Silva Pedro – assessora técnica do Departamento de Assistência Social (DAS) da Fundação FEAC; advogada; pós-graduanda em direito constitucional e administrativo pela Escola Paulista de Direito; Conciliadora no Juizado Especial Cível da Comarca de Campinas (2010/2011).

Guilherme Braga da Rocha Ribeiro – estagiário de Direito no Departamento de Assistência Social (DAS) da Fundação FEAC; bacharelando em Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp).

 

Referências bibliográficas 

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