A aposentada Marilene Camargo do Amaral, 69 anos, nunca foi mãe, mas deixou sua marca no destino de nove crianças. Desde 2012, ela faz parte do programa de acolhimento familiar de Campinas, que oferece lares familiares temporários para crianças que tenham de ser afastadas temporariamente ou permanentemente do convívio de suas famílias biológicas.

Foi uma tragédia, em 2011, que a colocou no caminho dos destinos das nove crianças. “Meu marido faleceu num acidente de carro quando voltávamos de férias do Ceará. Eu me machuquei muito também e, quando estava em casa, uma vizinha quis me dar um cachorro. Mas eu achava que não fazia sentido cuidar de um animal quando havia tanta gente precisando, e decidi adotar.”

Os destinos das nove crianças ainda contaram com um bom acaso para encontrarem Marilene, que já estava desistindo da adoção por causa de toda a burocracia envolvida. “Eu estava no cabelereiro, conversando sobre essa situação, e tinha uma cliente, assistente social, que trabalhava com acolhimento familiar e me falou sobre isso. Achei mais interessante poder ajudar um monte de gente.”

Esse tipo de acolhimento foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, e pela lei nº 12.010, de 2009, que o modificou. A norma determina que a modalidade familiar terá preferência sobre a institucional, e tem como um de seus principais benefícios possibilitar que a criança ou adolescente afastado do convívio familiar receba uma atenção individualizada.

Marilene chegou ao acolhimento familiar por meio do ConViver, da Guardinha, organização que trabalha com crianças e jovens e é parceira da Fundação FEAC. O projeto é um dos programas de Campinas que capta, prepara e acompanha famílias interessadas em participar desse tipo de serviço, e funciona em parceria com o poder público. As famílias são acompanhadas antes, durante e depois do acolhimento.

O apoio ao acolhimento familiar, com a mobilização de toda a sociedade em torno do tema, favorecendo o reconhecimento social das famílias acolhedoras e o envolvimento de novas famílias, é também uma das linhas de ação do Programa Acolhimento Afetivo, da Fundação FEAC.

“No começo, eu ainda estava com cabeça de adotante. Disse que queria uma criança negra, como eu. Mas percebi que não era a cor de pele que importava, e sim o fato de a pessoa precisar de ajuda”, ressaltando que acolhimento familiar não é adoção. Em 2012, ela recebeu a primeira criança em seu lar. Uma menina recém-nascida. Branca.

Mães de coração

Desde então, Marilene cuidou de nove crianças, a quem ela chama de filhas. O perfil é variado. Meninos e meninas, de recém-nascidas até 6 anos. Algumas ficaram com ela por alguns meses; outras, por alguns anos. Em comum, só o fato de que um dia elas vão viver com outras pessoas: ou retornam para suas famílias ou são adotadas.

“É um cordão umbilical que é cortado”, descreve a aposentada. Mas ela não vê a separação com tristeza. “Eu não choro. Tem gente que chora. Não existe deixar de fazer isso porque vai ter de se separar da criança. Tem de ter o prazer de saber que ela vai para um lugar melhor, ficar com uma família que está esperando muito por essa pessoa. Eu cuido da criança como se fosse minha para que ela saia melhor do que chegou.”

Marilene conta que nunca foi atrás das crianças que viveram com ela. As famílias é que acabam procurando a aposentada. Entre suas funções no acolhimento familiar está justamente passar aos responsáveis pelas crianças informações sobre seus hábitos e sobre sua saúde.

As famílias das crianças que Marilene cuidou acabaram criando um grupo de WhatsApp, no qual ela está incluída. O nome? Mães do coração.

Como acolher?

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, havia, em junho de 2021, 29.835 crianças e jovens em acolhimento no Brasil, dos quais apenas 4,7% na modalidade familiar, que deveria ser preferencial. A falta de famílias para recebê-los é o principal gargalo.

Se a história de Marilene te inspirou, procure o serviço de acolhimento familiar da sua cidade. Em Campinas, a prefeitura mantém o Serviço de Acolhimento e Proteção Especial à Criança e ao Adolescente (Sapeca), com o qual se pode entrar em contato pelos telefones (19) 3256-6067/6335, ou pelo e-mail [email protected]. Já o ConViver pode ser contatado pelo telefone (19) 3772-9699, ou pelo e-mail [email protected].

Por Frederico Kling

Revista Narrativa Social - 6

Edição 6 – Acolhimento familiar

Acolhimento familiar permite atenção individual a crianças e adolescentes
Pioneiro, acolhimento familiar em Campinas ainda encontra barreiras
• “Cuido da criança como se fosse minha para que saia melhor do que chegou”

FEAC na escuta 10: conheça três serviços de acolhimento familiar

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