(Por Ingrid Vogl)

Ocupar os espaços públicos e ressignificar o território. É com esta proposta que o Projeto Gente Nova (Progen) encarou o desafio de desenvolver atividades de proteção social e fortalecimento de vínculos no Jardim Bassoli, no distrito do Campo Grande em Campinas/SP. Em uma breve caminhada pelas ruas do bairro, é possível observar as atividades com crianças e adolescentes desenvolvidas nas ruas, praças, parques, quadras e até no pasto da fazenda vizinha do conjunto habitacional.

Desde o fim de 2013, o Progen, entidade parceira da Fundação FEAC, está presente no Jardim Bassoli com dois equipamentos: o barracão, que oferece o serviço de fortalecimento de vínculo a 240 crianças e adolescentes de 6 a 14 anos, por meio de atividades diversas; além da casa onde funciona o Centro de Convivência Inclusivo e Intergeracional (CCII), onde são atendidas 510 pessoas a partir dos 15 anos de idade.

O Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos oferecido no Jardim Bassoli é desenvolvido de acordo com a trajetória e realidade das famílias que vivem ali há cinco anos. Os cerca de 10 mil moradores vieram de diversos locais de Campinas que eram considerados áreas de risco ou de proteção ambiental, e que em comum tinham renda familiar de até um salário mínimo.

Com a mudança para o Bassoli, redes de proteção e relação das famílias foram rompidas, já que muitas ficaram longe de familiares e amigos. Além disso, essas pessoas perderam todos os equipamentos que estavam acostumadas a acionar, como unidades de saúde e escolas.

“Essas famílias também tinham uma relação muito forte com a terra. E a partir do momento que deixaram suas casas e foram para os apartamentos no Jardim Bassoli, deixaram muitas coisas para traz. As crianças perderam o brincar, e em nosso olhar para a realidade deles, esta questão foi a primeira que procuramos resgatar. A partir daí ocupamos os espaços do bairro para que as referências das famílias não fossem perdidas e houvesse uma ressignificação do território”, explicou Izabel Cristina Santos de Almeida, coordenadora geral do Progen.

Segundo Izabel, assim que a equipe do Progen chegou ao Jardim Bassoli, não se via crianças nas ruas, e logo a estratégia do trabalho social foi traçada para que a comunidade aprendesse a se apropriar do local e se sentisse pertencida ao território onde vive. “O barracão é apenas o espaço onde crianças e adolescentes se encontram para tomar café e fazer a roda de conversa. Depois disso, vai todo mundo para a rua fazer atividades. A gente aprendeu a brincar nesses locais junto com eles e a mostrar a beleza e o valor do bairro para os próprios moradores”, explicou.

Nosso bairro

Em um trabalho constante de pertencimento da comunidade ao bairro, o Progen construiu um processo de estreitamento de vínculos junto aos moradores que continua a ser trabalhado. Segundo Camila Leme Zaia, coordenadora técnica do Progen da unidade do Jardim Bassoli, a equipe da entidade levou cerca de cinco meses para começar a construir vínculos com as crianças atendidas. Hoje é possível perceber o resultado desse trabalho constante com as demonstrações de afeto dos atendidos com toda a equipe do Progen.

“Quando a equipe chegou, não tínhamos relação nenhuma com essas pessoas, elas só passavam por aqui. Hoje é muito diferente. A comunidade nos reconhece, as crianças chegam, nos abraçam, e querem saber como estamos, temos diálogo. Os pais também nos trazem relatos da mudança das crianças em casa”, relatou Camila.

Em 2017, o tema que norteia as atividades e está sendo trabalhado com os atendidos é o projeto de vida.  “O assunto foi escolhido a partir da experiência que tivemos no fim de 2016, quando fizemos um festival em que foram apresentadas as trajetórias de vida das famílias que chegaram ao Bassoli. Ao fim do evento, fizemos uma roda e cada um falava sobre seus sonhos para o futuro. Naquele momento, percebemos que muitas pessoas ali não tinham sonhos. O que se pretende abordando o tema é dar elementos para que cada um construa seu projeto de vida”, explicou Camila.

Outro momento que faz parte da rotina das pessoas atendidas no Progen é a roda de conversa, onde são tratados assuntos que tenham relação com o cotidiano da comunidade e, muitas vezes, são trazidos pelas crianças e adolescentes. Segundo Camila, os assuntos são tratados de maneira que a discussão seja em torno da prevenção e soluções para o tema, como por exemplo, a violência contra a mulher ou a disputa entre as comunidades moradoras dos bairros vizinhos ao Jardim Bassoli, Parque Floresta e São Bento.

Entre as crianças e adolescentes que frequentam o barracão do Progen, é possível perceber que os diálogos sobre os temas de interesse comum têm efeitos positivos. “Aqui as atividades são muito bem planejadas pelos educadores e eu aprendi a me expressar melhor, porque era muito tímida. Gosto da oficina de teatro. Quando eu crescer, quero ser atriz nos palcos”, planeja Ana Julia de Souza Silva, 10 anos, demonstrando que já tem seu sonho definido.

Ademir Alexandre Rodrigues, 11 anos, é carismático e simpático. Começou a conversa dizendo que gosta da oficina de música e é um compositor nato: já possui duas letras em construção de autoria própria, que falam de amor, amizade e união, assuntos que estão dentro do contexto tratado nos momentos de diálogo do grupo. “O Progen parece uma escola, mas é mais divertido, porque a gente aprende e se diverte. Hoje sou uma pessoa melhor, que respeita os outros, não briga e nem faz escândalo”.

É de casa

O espaço onde funciona o Centro de Convivência Inclusivo e Intergeracional do Jardim Bassoli funciona como uma casa coletiva: há uma sala de estar onde sofá, almofadas, cortinas e toda a decoração foi feita em oficinas pelos educandos. É comum sair da cozinha quitutes feitos por quem frequenta o local, que também possui salas de atendimento social. Lá no quintal dos fundos, o mandiocal está sendo cuidado com carinho para que a colheita seja generosa muito em breve.

Mesmo trabalhando há alguns meses, Francisca Maria da Costa e Silva, 44 anos, sempre que pode frequenta o Centro de Convivência. Ali ela se sente à vontade e fala com carinho de sua relação com a entidade. “Conheço o Progen desde que ele está aqui no Bassoli.  Além das atividades oferecidas, aqui me apoiam em tudo o que preciso, inclusive com orientações. Só tenho meu filho, de 12 anos, que também participa das ações no barracão. Então conviver com a equipe e outros moradores é muito acolhedor. Eles são minha família”, disse.

Com os toques pessoais de quem frequenta o Centro de Convivência, o local foi todo ressignificado e é movimentado durante todo o dia. “Ficar aqui é bom demais. A gente fica ocupada de segunda a sexta com muita coisa para fazer: artesanato, zumba, culinária. Estou aqui desde 2013 e este espaço só me trouxe coisas boas, como as amizades que construí aqui. Hoje sinto que estou familiarizada com o bairro, aqui compartilhamos tudo”, concluiu Nubia Ester de Almeida Ferreira de Lima, 27 anos, demonstrando que ali ela se sente pertencente ao bairro recém-criado.

Alan Scheffer Oliveira, assessor técnico do Departamento de Assistência Social da FEAC, chama a atenção para o fato de que empreendimentos imobiliários como o do Jardim Bassoli ainda não são planejados com foco na pessoa e seu território, mas sim na lógica da especulação imobiliária. Isso resulta em construções localizadas em lugares com pouca infraestrutura e territórios periféricos. “A proposta de trabalho do Progen vem ao encontro do ressignificar o novo território de vida e convivência comunitária, no qual, as pessoas vêm de diferentes lugares e cultura. São grandes os desafios postos às diversas políticas públicas, e que, com certeza, o Progen tem uma grande contribuição naquele microterritório”, analisou.

Jardim Bassoli 

O residencial Jardim Bassoli faz parte do programa Minha Casa Minha Vida, desenvolvido pelo governo federal em parceria com as prefeituras. O empreendimento habitacional possui 14 torres com 20 apartamentos cada, sendo que a área total de cada unidade é de 41,36 m², com 2 dormitórios, sala, banheiro, cozinha, lavanderia e corredor, além de uma vaga na garagem.

Existem ainda unidades para idosos e pessoas com deficiência, além de uma área de lazer com playground e salão de festas. O investimento é da ordem de R$ 120,9 milhões.

São 2.380 apartamentos que foram ocupados por famílias removidas de áreas de risco ou áreas de preservação ambiental com renda familiar de até um salário mínimo.

Saiba mais sobre o Progen:
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