Em 2021, comemoram-se os 30 anos da lei 8.213, que criou a política de inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, tornando-se conhecida como Lei de Cotas. Em três décadas, houve avanços, como um aumento na oferta de vagas e na ocupação de postos de trabalho por esse público. Por outro lado, ainda há importantes barreiras a superar, como a qualidade das vagas e o comprometimento das empresas com a inclusão.

A Lei de Cotas instituiu que, a partir de 100 funcionários, as empresas deveriam preencher de 2% a 5% das vagas com pessoas com deficiência, proporção que varia de acordo com o número total de funcionários. Segundo os dados mais recentes da Relação Anual de Informações Sociais, do Ministério da Economia, havia, em 2019, 701.424 vagas reservadas para pessoas com deficiência oferecidas por 32.291 empregadores (veja quadro com dados de Campinas).

Marinalva Cruz, idealizadora do Contrata SP (feira de emprego para pessoas com deficiência) e diretora de relações governamentais e empregabilidade da Turma do Jiló, “reforça o direito constitucional ao trabalho desse público, que é historicamente excluído de muitas oportunidades”.

O aumento da presença de pessoas com deficiência em espaços públicos também ajuda a desenvolver a representatividade delas.

Tabata Contri é fundadora da consultoria em inclusão de pessoa com deficiência Talento Incluir, e ficou paraplégica após um acidente de carro em 2000. “Eu trabalhava em loja na época. Achei que não ia mais poder trabalhar, que não servia para uma profissão. Quando não nos vemos nos lugares, nos sentimos inadequados. Representatividade é fundamental.”

Tabata ressalta, porém que a lei só começou mesmo a funcionar em 2004, quando o decreto 5.296 trouxe parâmetros claros das categorias que definiam as pessoas com deficiência. O fortalecimento da fiscalização pelo Ministério do Trabalho também ajudou, segundo ela, a tornar a política de inclusão mais efetiva.

“Antes, por exemplo, as empresas pegavam qualquer pessoa que não tivesse um teste audiométrico perfeito e usava para cumprir a cota. Muitas vezes, eram pessoas que já trabalham no lugar, não estavam excluídas ou não tinham deficiência”, diz Tabata.

Longe do topo

Apesar do avanço na oferta de vagas, a qualidade desses postos ainda é uma questão. Em 2016, o Instituto Ethos publicou uma pesquisa com o perfil das 500 maiores empresas do Brasil. Segundo os dados, não havia nenhuma pessoa com deficiência em conselhos de administração. A maior proporção desse público em relação ao total era justamente no chamado quadro funcional (2,33% do total), o último grau antes de se chegar nos trainees, estagiários e aprendizes.

Já uma nota técnica do Dieese de novembro de 2020, referente a 2019, mostra que o cenário não parece ter se alterado. As duas primeiras ocupações no ranking de vagas ocupadas por pessoas com deficiência eram auxiliar de escritório (8,4%) e assistente administrativo (7,4%).

“As vagas são quase sempre ofertadas na base. As empresas partem do princípio de que as pessoas com deficiência não têm competência para desenvolver muitas atividades”, aponta a consultora de recursos humanos Marinalva.

Viviane Machado, analista do Programa Mobilização para a Autonomia da Fundação FEAC, ressalta que muitas empresas já rotulam vagas para pessoas com deficiência. “Quem tem síndrome de Down vai para a recepção, por exemplo. Não existe um trabalho de identificar seu perfil ou habilidades que possibilitem um desenvolvimento de carreira. É como se essas pessoas não tivessem sonhos e desejos.”

Uma das consequências dessa ideia de incapacidade das pessoas com deficiência é que apenas 53% das vagas abertas pelas cotas estão preenchidas, segundo o Painel de Informações Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil, do governo federal (veja infográfico).

A principal barreira a ser quebrada para melhorar a inclusão é a atitudinal, relacionada ao comportamento das empresas e de seus colaboradores. “Tão importante quanto contratar é pensar em como a inclusão dessa pessoa vai acontecer na prática, no dia a dia. A empresa precisa estar disposta a mudar sua cultura e fazer as adaptações necessárias para derrubar essa barreira para pessoa com deficiência poder se sentir verdadeiramente parte da equipe”, observa Viviane, da FEAC.

Muito além da acessibilidade

Mais do que rampas ou banheiros adaptados, é preciso uma mudança de cultura. Para ir além do discurso, todos numa empresa devem estar comprometidos com a inclusão de pessoas com deficiência. Isso passa por tirar o domínio sobre essa questão da área de recursos humanos e levá-la até os mais altos escalões.

“Para criar uma cultura inclusiva, nós fazemos treinamentos com diretores das empresas. Tem de preparar a alta liderança para lidar com esse assunto, criar grupos para discutir o tema em outros setores, como o jurídico e o marketing, envolvendo pessoas com poder de decisão. Precisa ensinar os adultos a conviverem com a diferença com a qual eles não conviveram na juventude”, afirma a consultora Tabata.

Em 2018, a FEAC criou o Lab Inclusão, projeto de incentivo à empregabilidade de pessoas com deficiência que é executado por uma rede de organizações parceiras composta pela Guardinha, pela Sorri e pelo Cesd.

“Nós utilizamos a metodologia do emprego apoiado. A ideia é ajudar as pessoas com deficiência em seu processo de autoconhecimento e descoberta de habilidades técnicas e comportamentais e, ao mesmo tempo, mapear vagas nas empresas ou ajudá-las a desenvolver novos postos de trabalho que não haviam sido considerados para a pessoa com deficiência, dando todo o apoio necessário nesse processo”, diz Viviane.

Marinalva Cruz também aponta a necessidade de a inclusão começar em um momento anterior da carreira, como em programas de trainee ou de estágio, e até mesmo como Jovem Aprendiz, que dá oportunidades a pessoas entre 14 e 24 anos, mas que não tem limite de idade para pessoas com deficiência.

É nesta etapa inicial que a Guardinha, uma das organizações que faz parte do Lab Inclusão, atua. “Nós fizemos todo um trabalho de divulgação para explicar para as empresas a estratégia de começar a incluir já na etapa de aprendizagem”, afirma Eduardo Tedeschi, coordenador de proteção social básica da organização.

Em 21 de setembro, a FEAC lançou o Conecta In, plataforma que dá um passo a mais nesse sentido, levando informações para pessoas com deficiência e para empresas sobre como trabalhar a empregabilidade.

“O projeto foi pensado no contexto de virtualização da pandemia. Oferecemos pequenos vídeos acessíveis com temas como construção de currículo, comportamento no trabalho, serviços que ajudam na inclusão, entre outros”, explica Eduardo.

Para ele, a inclusão está longe de ser um processo fácil, mas o resultado compensa. Afinal, todos ganham com ela. “As pessoas começam a pensar diferente sobre o que fazem. Refletir sobre o ambiente de trabalho provoca a inteligência”, conclui.

Em que áreas trabalham as pessoas com deficiência em Campinas?

Em 2019, havia no município de Campinas 6.473 vagas reservadas para pessoas com deficiência físicas, segundo o Painel de Informações Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil. Dessas, 3.469 estavam ocupadas. Assim, a cidade tinha uma taxa de ocupação de 53,59%, bem semelhante ao cenário nacional.

Apenas três setores eram responsáveis por quase 50% do total de vagas oferecidas: atividades administrativas e serviços complementares (1.236 vagas), indústria de transformação (960 vagas) e comércio, reparação de veículos automotores e motocicletas (884 vagas).

Por Frederico Kling

Edição 9 – Inclusão de pessoas com deficiência

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