Uma criança é o que ela come, os cuidados que recebe, os lugares por onde anda, os estímulos que tem. Uma criança é cada uma dessas coisas e todas elas – e muitas mais – ao mesmo tempo. Não à toa, a atuação em rede é tão importante para abordar a primeira infância, pois é uma estratégia capaz de lidar com a multiplicidade de temas que essa faixa etária demanda.

A Rede Nacional Primeira Infância (RNPI), por exemplo, foi criada em 2007 por organizações da sociedade civil tendo como horizonte exatamente a complexidade do tema.

“Já se sabe que é entre 0 e 6 anos que ocorre o maior número de conexões cerebrais. Algumas coisas que se perdem aqui são irrecuperáveis. Investir muito nessa faixa etária poupa investimentos na fase adulta, e isso envolve um leque de disciplinas como saúde, educação, proteção social”, explica Marta Volpi, assessora de políticas públicas da Fundação Abrinq, que faz parte da rede.

A RNPI, por sinal, vai além da intersetorialidade entre as mais de 200 organizações que dela fazem parte. Também acolhe a diversidade de atores. Há desde OSC com alcance nacional até aquelas pequenas, que fazem o importante atendimento na ponta. Conta também com instituições acadêmicas, empresas e representantes do poder público.

Desafios

A ampla mobilização em torno do tema é fundamental em um cenário no qual as crianças ainda são muito afetadas pela pobreza. Com base em dados de 2012 a 2019 da Pnad Contínua, o Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS) acabou de lançar um dashboard com um retrato alarmante da primeira infância no Brasil.

Segundo os dados, 42,7% das crianças entre 0 e 5 anos viviam, em 2019, em lares com renda abaixo da linha da pobreza. Trata-se da faixa etária com a maior proporção de pessoas nessa situação.

“Isso pode gerar complicações para o acúmulo de capital humano necessário para que essas crianças consigam se desenvolver no futuro. Viver na pobreza afeta muito as possibilidades de mudar de vida”, aponta Giovanna Ribeiro, coordenadora de projetos do IMDS.

Giovanna também destaca a importância de uma resposta múltipla para esse problema. “Não existe bala de prata. Precisa sempre entender o contexto em que as políticas públicas serão desenvolvidas, e deve-se sempre monitorar para ver se as mudanças desejadas estão acontecendo.”

Pauta nacional, aplicação regional

O tamanho do desafio (veja abaixo o infográfico com dados sobre a situação da primeira infância no Brasil) só ressalta a importância da mobilização em rede. Uma das mais fundamentais conquistas da RNPI pode ser resumida assim: a primeira infância se tornou definitivamente uma pauta nacional. E isso passou pela criação de importantes documentos.

Entre 2009 e 2010, por exemplo, a rede participou da construção do Plano Nacional Pela Primeira Infância, que cria diretrizes e metas para a promoção dos direitos das crianças. Em 2016, também teve atuação fundamental para a criação do Marco Legal da Primeira Infância, que traça parâmetros legislativos para a criação de políticas públicas em todos os níveis federais.

Foi sob a inspiração desses avanços que vários estados e cidades começaram a desenhar planos próprios para lidar com o tema da primeira infância de uma perspectiva multissetorial. Em 2018, por exemplo, Campinas lançou o Primeira Infância Campineira (PIC), um plano decenal com foco em políticas públicas para essa faixa etária, e que inclui uma estratégia de ampla mobilização social em torno do tema.

“O PIC estava atrelado à secretaria de assistência social, mas, com o início da nova gestão, o prefeito Dário Saadi alocou direto ao seu gabinete por ser uma prioridade do governo e por se tratar de ações que envolvem políticas públicas de caráter multissetorial, necessitando da integração de diversas secretárias”, destaca Thiago Ferrari, coordenador do plano.

 

Parcerias

Desde a criação do PIC, a Fundação FEAC tem desenhado suas iniciativas de primeira infância sob as diretrizes do plano municipal. “Os projetos têm resultados melhores quando estão alinhados a políticas públicas, não tem sentido ir numa outra direção”, ressalta Juliana Di Thomazo, líder do Programa Primeira Infância em Foco, da FEAC.

O projeto Caminhos do Brincar, da fundação, é um ótimo exemplo dos benefícios da parceria com o PIC. A iniciativa busca tornar a cidade um ambiente mais seguro e acolhedor para as crianças, num processo que inclui, entre outras coisas, ouvir o que elas têm a dizer e a realização de intervenções urbanas.

Numa situação normal, realizar o projeto demandaria uma peregrinação pela burocracia municipal. Mas o PIC facilitou enormemente esse processo. “Todos os órgãos com quem precisávamos conversar já faziam parte da rede, na qual todo mundo está reunido em prol da primeira infância”, diz Juliana.

Essa parceria será fortalecida com a assinatura de um protocolo de intenções entre a FEAC e o PIC, num momento em que o Primeira Infância Campineira parte para uma ação mais prática no município. “A fundação já atua com múltiplos temas, além de ter um valor simbólico muito forte na sociedade. Espero que isso inspire outras instituições a aderirem às diretrizes do PIC”, diz Thiago.

Por Frederico Kling

Revista Narrativa Social - 7

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