(Por Ingrid Vogl)

Vitor Daniel Ferreira, 7 anos, nunca esteve em um teatro. Imaginava que seria uma grande sala com uma tela, semelhante a um cinema. Quando chegou ao Teatro Iguatemi Campinas, ficou maravilhado com o que viu. “Estava ansioso para conhecer e achei muito legal. Vou guardar pra sempre isso na minha memória”, disse, um pouco acanhado. Ele e um grupo de aproximadamente 160 futuros artistas de nove Organizações da Sociedade Civil (OSCs), que participam este ano do projeto Arte e Cultura, estiveram no Teatro Iguatemi no dia 30 de julho para o primeiro ensaio em grupo do musical “Alice no país das maravilhas”, que será encenado nas noites de 17 e 18 de dezembro.

Como um verdadeiro quebra cabeças, o primeiro ensaio em grupo reuniu as OCSs selecionadas via edital para iniciar a integração dos números artísticos que estão sendo desenvolvidos e se complementam para o grande espetáculo. As cenas envolvem diversos tipos de dança como o hip hop, coral e teatro, dentre outras manifestações artísticas.

Preparação

Em março, Daniela Fischer, diretora artística do espetáculo, iniciou o processo de visitas às entidades selecionadas para o musical e o trabalho de alinhamento da proposta do musical. Segundo ela, durante os encontros foi explicado como o espetáculo é desenvolvido. Houve também uma reunião com os educadores responsáveis pelos grupos participantes do musical, onde foi feita uma leitura dramática do texto relacionado ao tema. Para o desenvolvimento desse trabalho, o projeto disponibilizou a todas as instituições parceiras o livro “Alice no País das Maravilhas”, na versão traduzida por Sebastião Uchôa.

A orientação e disponibilização de material sobre o tema do espetáculo servem de base para a adaptação da história em linguagem teatral. A partir daí cada entidade participante iniciou o preparo de suas cenas com pesquisas sobre as músicas, personagens, movimentos, vozes.

“Cada modalidade faz sua construção coletiva. Educadores e artistas estruturam essa coreografia dentro do espetáculo. Meu papel é fazer o link da modalidade com teatro e com a próxima cena que vai entrar. É um quebra cabeça que vai sendo aprimorado ao longo do percurso, com coisas que vão dando certo e outras que precisam ser remodeladas. E essa é a parte mais gostosa do processo, porque é quando experimentamos várias alternativas”, explicou a diretora. 

A partir dos ensaios gerais, que acontecem no Teatro Iguatemi, onde o espetáculo será encenado em dezembro, os subgrupos passam a ser um único grande grupo, onde todos juntos se conhecem e se entrosam.  “Daqui para a frente, os artistas começam a sentir que são uma unidade, e colocam suas identidades dentro do coletivo. Eles passam da plateia para o palco e começam a se apropriar do espaço cênico, da fantasia e sentir o prazer da experiência cênica. Será uma Alice no País das Maravilhas construída com as características próprias desse grupo”, disse Daniela.

E nessa atmosfera de entrar no clima do musical, as instituições participantes já se apropriam do espetáculo e da responsabilidade que têm em desenvolver esse trabalho artístico. “Os participantes já começam a se sentir donos daquilo que eles vão fazer, porque a gente como equipe de apoio dá instrumentos para que os artistas, que são eles, trabalharem”, concluiu. Até os dias dos espetáculos, ocorrerão mais cinco ensaios no teatro.

No clima

Agitados e ansiosos, porém muito comportados, os grupos que compõem o musical conheceram os camarins e toda a estrutura por trás das cortinas vermelhas do belo teatro com capacidade para 515 pessoas no qual vão se apresentar no fim do ano. Depois, Daniela explicou as regras do teatro e convidou os grupos a apresentarem o trabalho desenvolvido até agora, dentro das entidades.

Os grupos surpreenderam e mostraram que já estão bem adiantados em seus ensaios para o musical. Que o diga Sílnia Prado, técnica responsável pelo Arte e Cultura. “Para resumir o dia de hoje em uma palavra, seria encantamento. Até para os que estão no Teatro pela primeira vez, a qualidade do ensaio surpreendeu positivamente. Todos bem preparados e engajados no sucesso de um espetáculo coletivo”, avaliou.

Experiências de vida

Assim como Vitor, que conheceu pela primeira vez um teatro, muitas outras crianças estiveram pela primeira vez nesse espaço cênico. Para Osvaldo Gelain Junior, educador social e professor de capoeira conhecido como Ninja, a experiência de participar do musical é única, já que as crianças têm a oportunidade de conhecer o teatro e trabalhar com outras instituições. “É importante que eles entendam que o teatro é acessível, e essa vivência pode inclusive dar novas oportunidades para eles”, afirmou. Osvaldo acompanha o grupo que representa o Centro Comunitário do Jardim Santa Lúcia que, pela primeira vez, participa do Arte e Cultura com a apresentação de maculelê, bailado guerreiro onde os participantes cantam e dançam ao som de tambores.

Ninja, que já estudou e trabalhou com teatro, também agrega conhecimento com a experiência de participar do Arte e Cultura. “Gosto muito da arte cênica e sempre tive contato com ela. Participar desse espetáculo vai ajudar em meu crescimento profissional, porque acho que a apresentação vai ser fantástica e teremos a oportunidade de mostrar o maculelê, que até mesmo dentro da capoeira é um segmento que não é conhecido. Então trazer essa manifestação cultural para dentro do shopping, um teatro e um espetáculo, e disseminar isso é muito significativo. Ainda tenho planos de fazer o maculelê com todos os participantes do musical até o fim do ano”, planejou o professor de capoeira.

Enquanto para o grupo do Centro Comunitário do Jardim Santa Lúcia tudo é novidade, outros já são veteranos no projeto, como é o caso dos adolescentes da Associação São João Vianney. “A experiência de participar do espetáculo é muito boa. Me sinto honrado de estar aqui pelo terceiro ano seguido e acho que nossa participação divulga o nome da instituição e pode abrir portas para novas oportunidades”, disse Lucas Henrique dos Santos, 14 anos, que interpretará um dos gatos do musical.

O amigo Caique Ferreira Ataliba, 14 anos, lembrou do orgulho que dá se apresentar no palco. “Dá um frio na barriga, mas me sinto feliz em poder mostrar o que estamos aprendendo na instituição. Os pais podem se sentir orgulhosos do nosso aprendizado”, disse. 

Espetáculo

O tema “Alice no País das Maravilhas” foi escolhido por votação dos artistas das instituições participantes do projeto em 2018. O clássico literário de Lewis Carrol publicado em 1865 conta a história de uma menina chamada Alice, que por meio de uma toca do coelho entra no País das Maravilhas, onde os animais e plantas podem falar. Ela passa a viver muitas aventuras com os habitantes deste mundo fantástico, que instigam Alice a refletir sobre si mesma e o mundo.

Este ano, a seleção das entidades para o Arte e Cultura foi feita por meio de edital, que entre vários critérios, levou em conta um vídeo produzido sobre a modalidade inscrita. O processo revelou a variedade das artes que são desenvolvidas em instituições que atendem todos os tipos de usuários. Ao todo, participaram 19 OSCs que inscreveram 37 modalidades. Foram selecionadas nove OScs e o espetáculo terá a participação de 174 usuários de 10 a 75 anos.

As instituições selecionadas foram Programa Gente Nova – Progen (coral performático); Centro Espírita Allan Kardec – Educandário Eurípedes (teatro); Associação São João Vianney (dança); Instituto Semear (hip hop); Sorri Campinas (dança); Grupo Primavera (coral); Casa de Maria de Nazaré – Casa Hosana (danças urbanas); Centro Comunitário do Jardim Santa Lúcia (maculelê) e Associação Nazarena Assistencial Beneficente- ANA DIC IV (dança livre).

O musical multiartístico, intergeracional e inclusivo que visa propiciar a convivência e o aprendizado dos usuários de OSCs irá acontecer nas noites de 17 e 18 de dezembro no Teatro Iguatemi Campinas.

O Arte e Cultura é um dos projetos do portfólio do Programa Fortalecimento de Vínculos, uma iniciativa da Fundação FEAC que investe na qualificação de ações integradas de cultura, esporte e cidadania com o objetivo de prevenir o agravamento da vulnerabilidade social. O musical que integra o projeto tem nesta edição apoio do Iguatemi Campinas, Teatro Iguatemi Campinas e Brain+.

Saiba mais: https://www.feac.org.br/fortalecimentodevinculos/