(Por Claudia Corbett)

Assunto de criança é brinquedo, boneca, bola, lápis de cor, jogo, brincadeiras na rua, risadas, músicas e histórias infantis. Mas isso não é a realidade de uma grande parte desta faixa da população brasileira.

O número de crianças e adolescentes que sofrem violência e exploração sexual é relevante. Só em 2014, no Brasil, foram cerca de 25 mil registros. Deste montante, 19 mil em violência e quase seis mil de exploração sexual.

Esta temática vem sendo debatida desde 2012 pelo Centro Promocional Tia Ileide (CPTI), entidade parceira da Fundação FEAC. Há dois anos, a instituição resolveu inclusive contribuir de maneira mais efetiva para a mudança nesse cenário e criou o projeto ‘Novo Amanhecer’, inserido no Serviço de Proteção Básica e Especial de Média Complexidade, de prevenção às violências realizado com crianças, adolescentes, jovens e suas famílias atendidas pelo CPTI. A iniciativa teve duração de dois anos e foi financiada pela Fundação Abrinq, por meio de edital.

A proposta foi quebrar o paradigma em relação à naturalização da violência e tratar este tema de uma maneira contínua. “Partimos da premissa que para falarmos de violência não é preciso necessariamente falar de violência. Podemos falar de vínculo, amizade, amor, entre outros assuntos que dão suporte e fortalecem as pessoas. A violência invade espaços onde não há diálogo e conversa”, explicou Leonardo Lopes Ferreira, pedagogo da instituição que respondia pelo projeto Novo Amanhecer.

“Os serviços de assistência de atenção às situações de violência atuam onde já aconteceu o fato. Nós criamos o projeto ‘Novo Amanhecer’ porque acreditamos que é importante atuar permanente e preventivamente”, disse Leonardo Lopes Ferreira. O importante é trabalhar também com as pessoas que não vivenciaram a violência, mas que podem vir a passar ou assistir a situações como estas.

Ao longo dos dois anos foram feitas ações e oficinas que circularam por todas as unidades do CPTI atingindo cerca de 525 crianças, adolescentes e jovens e suas famílias.   Os temas eram discutidos em descontraídas rodas de conversa, promovidas durante oficinas.

Enquanto se fazia artesanato, conversava-se sobre temas relevantes como o que é a violência e o que não é. E ainda quais os antídotos considerados que podem combater a violência e o que poderia ser legal.

Durante a capoeira também se debateu violência com o mesmo propósito. Criada pelos africanos contra a violência, a premissa foi o contexto histórico. “Utilizamos estas ações como ferramentas para provocar trocas de experiências e fortalecimento destas questões. Com isso, vínculos também eram fortalecidos com os desabafos”, relatou Leonardo.

O Novo Amanhecer não se limitou à instituição. Levou a discussão para outras instâncias como o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e escolas públicas da região reunindo alunos e professores. O tema foi inserido durante as Aulas de Trabalho Pedagógico Coletivo (ATPC) que envolvem docentes.

“É preciso sempre relembrar e ressaltar que temos a tarefa de proteger e garantir os direitos de nossas crianças e adolescentes. Inclusive no que diz respeito ao direito de uma sexualidade livre e integral”, destacou o assessor técnico do Departamento de Assistência Social da Fundação FEAC, Claudio Raizaro. Isso faz parte do comprometimento das famílias, da sociedade e do Estado, conforme determina o artigo n° 227 da Constituição Federal e o Artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescentes (ECA). “Isto é, ninguém pode se eximir desse compromisso”, destacou Raizaro.

Nessa perspectiva de corresponsabilidade é preciso pensar em todos atores que integram o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA). De forma integrada e articulada devem promover ações preventivas e curativas para lidar com esse fenômeno da violência sexual.

 Oito Sentidos

Além das tradicionais atividades, o projeto Novo Amanhecer inovou com a oficina que trabalhou em oito encontros os cinco sentidos: audição, olfato, visão, tato, paladar somados a mais três: equilíbrio, pele e intuição.

Em cada encontro era trabalhada a percepção do mundo por intermédio de um sentido. Como ouço o mundo, como percebo, como enxergo, como sinto, etc. Todos os sentidos fazendo ponte com esta discussão, mas sempre partindo do sujeito, de como ele sente a situação. “Aplicamos isso com as famílias, com as crianças e adolescentes e por último com os profissionais da instituição. Foram apresentadas diferentes percepções. Houve muita troca e envolvimento e identificação entre os sentimentos”, constatou o pedagogo.

O projeto confirmou que qualquer tipo de violência não deve ser tratada pontualmente.  Ela precisa ser olhada de uma maneira constante e diversificada. Não é uma questão pontual. As relações estão acontecendo o tempo todo. A violência pode ou não acontecer de acordo com a qualidade das relações que as pessoas estão estabelecendo nos espaços. “As crianças, as famílias e os adolescentes estão convivendo na entidade. O que eles experienciaram aqui é levado e multiplicado lá fora.  O Novo Amanhecer deixou um legado: a maneira de entender o problema é mais ampla”, enalteceu Leonardo.

“Precisamos considerar dois grandes mitos que, infelizmente, costumam ser divulgados sobre essa questão, o primeiro: a de associar direta e, quase que exclusivamente, a violência sexual à pobreza. Esse fenômeno está para além da mera relação de causa-efeito. Atinge todas as classes sociais”, destacou o assessor técnico. O que ocorre com esse público é a possibilidade de lidar com a situação de outras formas, sem que os casos sejam notificados. E por isso, não constam nos indicadores oficiais do país. “O outro mito é que não existe prostituição infantil. O que ocorre com as crianças e os adolescentes é a exploração sexual e comercial”, confirmou Claudio Raizaro.

Além desses mitos, outras questões culturais, arraigadas no tecido social, também contribuem para a prática e a perpetuação das violências, inclusive a sexual.  Precisam, com urgência, serem refletidas e combatidas. Dentre elas, destacam-se o machismo e a misoginia – que uma espécie de aversão e ódio às mulheres. E a “cultura do estupro”, ou seja, um conjunto de comportamentos que naturalizam, silenciam e relativizam práticas desumanas e atentatórias contra a dignidade sexual das mulheres.  “Avaliam isso como sendo normal e, ainda, invertendo os papéis que, de vítimas, passam a ser as causadoras da violência”, frisou o assessor técnico da FEAC.

O projeto Novo Amanhecer surgiu na instituição inspirado no atendimento do Serviço Especializado de Proteção à Familia (SESF), antigo Serviço de Proteção e Atendimento Especializado à Família e Indivíduo (PAEF).

18 de Maio

Neste ano o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes completa 17 anos de mobilização, instituído pela Lei Federal 9.970/00.
Em Campinas, as atividades preparadas para o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes começam a acontecer já no dia 16 de maio, terça-feira, das 14h às 17h, com o Sarau Diga Não à Exploração, realizado pela Rede Articula Juventude (Reaju). O evento é gratuito e aberto ao público e acontece na Fazenda Roseira, localizada na Rua Domingos Haddad, s/n – Residencial Parque da Fazenda.

No dia 18 de maio, das 8h30 às 16h30, haverá atividades voltadas ao tema realizadas por diversas instituições sociais de Campinas. A concentração será feita pela manhã na Estação Cultura e dará início a um cortejo pela Rua 13 de maio até a Praça Rui Barbosa. A partir das 9h50 começam as apresentações artísticas, oficinas e exposições realizadas pelas organizações da sociedade civil. Serão nove atividades no período da manhã e 11 à tarde.  Às 16h o cortejo retorna para a Estação Cultura, marcando o encerramento da programação.

O CPTI, mesmo com o encerramento do Amanhecer, permanece trabalhando esse assunto durante o ano todo e vai marcar presença na atividade coletiva do dia 18.  O tema é debatido com vários estímulos. Rodas de conversas ou sessões de filmes contribuem para qualificação do debate. O curta coreano, com dublagem em português, ‘O Segredo’, é um dos exemplos. Com uma história simples, sensível e educativa, ele alerta como pais, professores e orientadores podem identificar se suas crianças estão sofrendo abuso sexual. O trabalho de difusão do tema também foi feito na Intersetorial Estrela – reunião de articulação de serviços do território. 

Porque 18 de maio

O dia 18 de maio é uma conquista que marca a luta pelos Direitos Humanos das Crianças e Adolescentes no território brasileiro. A proposta é mobilizar, sensibilizar, informar e convocar toda a sociedade a participar desta luta, sendo uma estratégia eficaz de combate à violência sexual contra crianças e adolescentes.

A data foi instituída em 18 de maio, por causa do Caso Araceli, ocorrido em 1973, na cidade de Vitória (ES). A menina de apenas 8 anos teve todos os seus direitos violados. Foi sequestrada, estuprada e morta por jovens de classe média alta. O crime ficou impune.

Saiba mais: www.cpti.org.br