(Por Ariany Ferraz)

Casa da Cidadania e as histórias das pessoas em situação de rua em Campinas

Promover a cidadania, resgate e a reinserção social e familiar. Esse é o papel da Casa da Cidadania, que atua com a população em situação de rua em Campinas, para contribuir com a melhoria da qualidade de vida destas pessoas. Por meio de um espaço de convivência, são oferecidos alguns serviços emergenciais de cuidados básicos como alimentação, banho, atividades de socialização e atendimento social.

Serviço complementar da proteção social de média complexidade, é cofinanciado pela Secretaria Municipal de Assistência Social e Segurança Alimentar, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos de Campinas, executado pelo Instituto Semear, que busca sensibilizar o olhar da sociedade para o atendimento das pessoas adultas em situação de rua e gerenciar e ampliar o número de voluntários e doações. Parceira da Fundação FEAC via Programa Enfrentamento a Violências, o Instituto Semear é uma organização da sociedade civil que atende crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade há 15 anos. Atua em três unidades:  Parque Via Norte, Residencial Vila Olímpia e Centro que recebem juntas cerca de 3,6 mil usuários por mês.

Voltado para atender cerca de 80 pessoas mensalmente, de segunda a sexta-feira, de acordo com  recursos destinados ao projeto, a Casa da Cidadania, entretanto, por ser um serviço de ‘portas abertas’, acaba recebendo mais de 130 pessoas por mês, com um funcionamento ininterrupto, de segunda a segunda. Para absorver a demanda existente, a instituição conta com um forte apoio do voluntariado e de doações. A maior parte do trabalho é executada por 17 grupos voluntários, entre coletivos de amigos e de instituições religiosas diversas.

As doações e o voluntariado são fundamentais para manutenção de todo trabalho executado pela Casa. Rodrigo Donato Calhau,  dentista,  já fazia trabalhos voluntários para pessoas em outras situações de vulnerabilidade social. Em busca de uma nova experiência, ele descobriu a Casa da Cidadania, mobilizou os amigos, montou um grupo e participa semanalmente das atividades na instituição. “A gente faz mesmo para ajudar o próximo. Muita gente tem vontade de ajudar, mas não sabe como e onde”, observa Rodrigo.

De segunta a sexta-feira o almoço é Servido no Bom Prato, restaurante popular, por meio da apresentação de um vale disponibilizado pela Casa da Cidadania. São em média 2,6 mil refeições mensais. Para ter acesso ao vale é necessário passar pelo Centro Pop, Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua, que integra o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e oferece atendimento psicossocial e inclusão socioeducativa.

Já o jantar é servido na própria Casa pelos grupos voluntários, que fazem escalas complementares durante toda semana. Essa organização permite que todos os dias, incluindo os feriados, as pessoas tenham acesso a boas refeições. Aos domingos são recebidas em média 250 a 300 pessoas, quase o dobro do volume semanal. No entanto, a refeição noturna  neste dia da semana é esporádica, por falta de mais grupos voluntários.

“Ao invés de levar o alimento às ruas, incentivamos a pessoa a vir até o espaço, o que dá mais dignidade. Ela senta-se à mesa, interage com os outros, divide o alimento bem feito junto com voluntários e usuários do serviço”, explica Sérgio Rodrigues dos Santos, coordenador da Casa da Cidadania. Também é oferecido banho diário e itens de higiene pessoal, além de doação de roupas, duas vezes por semana.

“Só um prato de comida não basta”, pontua Sérgio. Por isso a casa oferece suporte educativo e assistência social. “Trabalhar a autoestima e motivar essas pessoas a mudar de vida é um desafio diário”, conta Andreia Porfírio, assistente social. Tudo começa no acolhimento para chegar no atendimento individual. “É preciso ganhar a confiança aos pouquinhos”, avalia.

Para promover a interação social, a instituição também realiza atividades socioculturais para estimular o convívio em grupo, socialização e assim restabelecer os vínculos gradualmente, para as futuras orientações. Os educadores coordenam as oficinas de recreação, jogos, filmes (com análises e debates) e sessões de orientações de saúde, além da biblioteca, aberta ao público frequentador.

Andreia descreve que na maioria dos casos as pessoas querem restabelecer o contato com a família e ela media essa comunicação. Ainda, realiza a elaboração de currículos para reinserção no mercado de trabalho, orientação e encaminhamentos para o Centro POP. “O atendimento às pessoas em situação de rua deverá ser pensado de maneira intersetorial, a partir de ações para a promoção de seus direitos e oportunidades para que possam traçar seus próprios planos de vida”, pontua Natália Valente, técnica de referência do Programa Enfrentamento a Violências.

“Eu não sou morador de rua, eu estou nela”

São muitas histórias de vida. Diante de diversas circunstâncias, as pessoas são levadas a situações extremas e acabam na rua. Essas condições adversas vão desde cenários emocionais opressivos, traições, perdas, rejeição, entre outros que rompem vínculos familiares e até mesmo situações econômicas, que provocam transtornos e muitas vezes a geram a busca por substâncias psicoativas.

Pessoas que perderam o emprego e ficaram sem renda, que não souberam administrar seus negócios, filhos expulsos de casa devido a sua sexualidade, pessoas que tinha estabilidade, condições financeiras e até mesmo curso superior. “Cada um tem a sua história, não cabe  julgar e sim ajudar”, sinaliza Sérgio. Desmistificar a condição de rua é um desafio. Por isso, para ele, é preciso acabar com os estigmas e o paradigma de ver a pessoa como um morador de rua que está ali por vontade própria, acomodado.

Marcelo Pereira é mecânico, ‘Erico’ era piloto de avião, ‘Valter’, engenheiro agrônomo e ‘Jorge’, controlador de vôo. Esses são alguns personagens das inúmeras histórias que Sérgio presenciou. Como é o caso do ‘João’, um jovem que sofreu emocionalmente depois da separação dos pais. “Ele morava com o pai e após um desentendimento foi parar nas ruas, sem conhecimento da mãe que morava fora do Brasil. Um dia a mãe retornou, o reencontrou como usuário de drogas. Hoje, ele está recuperado e mora em outro país com mãe. Outra história é a da ‘Marina’, que passou no vestibular. A família pagava a faculdade. Ela gostava de ler e comprar livros. Mas morava na rua por uma questão psicológica, de não conseguir viver entre quatro paredes. Outro usuário do serviço, o ‘Carlos’ veio de um outro Estado em busca de trabalho, acabou não dando certo e desistiu de voltar por vergonha do fracasso”, relatou Sérgio.

Renato é fotógrafo profissional, já foi famoso, passou 10 anos na Amazônia e 13 no Japão, mas após enfrentar um câncer, perdeu tudo, passou por alguns abrigos e hoje, sem exercer a profissão, aos 61 anos, frequenta a Casa da Cidadania. Para ele lá “é o melhor lugar que tem. A porta é aberta, aceita qualquer um.” Seus planos agora são se aposentar e sair das ruas.

De acordo com Sérgio, mais de 30% das pessoas que vem ao jantar, por exemplo, são pessoas que passaram pela Casa e já saíram das ruas. Hoje estão se restabelecendo. Já empregadas, mas ganhando pouco. “Precisam do suporte alimentar, pois a renda muitas vezes só dá pra pagar a pensão”, acrescenta. “Temos que entender a realidade do outro. Tem gente que acha porque é adulto, está na rua porque quer, e isso não é verdade. Se você pensar que todos são iguais você acaba impedindo a chance de recuperação e de finais felizes. É necessário conviver, entender, apoiar e ajudar”, evidencia Sérgio. “É preciso um olhar sensível à situação temporária de muitas dessas pessoas que muitas vezes carecem apenas da orientação e de uma oportunidade para se reintegrar à sociedade”, finalizou.

Enfrentamento a Violências

O Programa Enfrentamento a Violências é uma iniciativa da Fundação FEAC que investe na mitigação dos impactos das violências e no enfrentamento para romper os ciclos que as perpetuam com objetivo de promover o bem-estar e a cultura de respeito, empatia, tolerância e paz.

Doe e seja Voluntário

Para se voluntariar ou doar alimentos, produtos de higiene pessoal, roupas (em condições de uso), contate:

 

Telefone (19) 3235-3311

[email protected]

Endereço: R. Francisco Teodoro, 138 – Vila Industrial, Campinas – SP