(Por Ingrid Vogl)

Muito mais do que o trabalho conjunto para criar uma praça, um mutirão para a construção de relações pessoais entre moradores com interesses comuns. Assim pode ser definida a força-tarefa formada por moradores do residencial Vila Abaeté, localizado na região Sul de Campinas/SP, que ocorreu no último fim de semana, dias 3 e 4 de fevereiro. Divididos em frentes de trabalho responsáveis pela jardinagem, calçamento, pintura de muro e alimentação, cerca de 100 moradores se mobilizaram para construir o sistema de lazer 01 (assim tecnicamente denominado o projeto de espaço multiuso comunitário) e ainda exercitaram a cidadania ativa e o fortalecimento de vínculos na comunidade.

A ação faz parte do projeto Escola de Transformação, do Instituto Elos, e conta com a parceria da Fundação FEAC e Prefeitura Municipal de Campinas. A iniciativa acontece desde novembro de 2016 por meio de ações comunitárias que envolvem formação, realização e mobilização nos conjuntos residenciais Sirius, Abaeté e Bassoli em Campinas. A DEMACAMP, que desenvolve projetos na área de Meio Ambiente e Habitação e Urbanismo e é a executora da iniciativa Desenvolvimento Integrado e Sustentável dos Territórios (DIST), do Fundo Socioambiental da Caixa, também é parceira do projeto.

Segundo Fernando Conte, facilitador da filosofia Elos, o objetivo do projeto é incentivar os moradores a exercitarem a cidadania ativa por meio da transformação e apropriação do território onde vivem. Para isso, a estratégia adotada é o estreitamento das relações interpessoais a partir de interesses em comum dentro da comunidade. “O Instituo Elos trabalha com o desenvolvimento comunitário e tem como metodologia a realização de sonhos coletivos e o desenvolvimento de lideranças em diferentes contextos”, explicou. Conforme ele, o projeto em Campinas é uma continuação de um trabalho do DIST, e acontece simultaneamente nos residenciais Bassoli, Abaeté e Sirius, todos empreendimentos do programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal.

Associação

O momento do mutirão para a construção coletiva da praça é uma das ações dentro do Escola de Transformação, que será finalizado em junho de 2018. A próxima etapa de construção física do projeto será a criação do prédio da Associação de Moradores do Abaeté, que será construído pela Fundação FEAC. O investimento de cerca de R$ 80 mil na obra faz parte do Projeto Espaço de Convívio Abaeté, do Programa Desenvolvimento Local da Fundação.

“O investimento no projeto, em parceria com o Instituto, Elos tem como objetivo construir uma comunidade protagonista de seus sonhos e desejos, transformando o cenário urbano degradado em espaço de trocas e vivências cotidianas. Esta ação vai ao encontro da atuação da Fundação FEAC, que acredita no incentivo da apropriação dos espaços públicos como um dos propulsores para o desenvolvimento humano, e além disso, oportuniza a construção do bem-estar social, bem como reforça os vínculos comunitários em territórios de vulnerabilidade”, explicou a gerente do Departamento de Arquitetura da FEAC, Viviane Nale.

A sede da Associação Comunitária será construída nos próximos meses e o projeto prevê uma edificação térrea com aproximadamente 92m² de área coberta e 68m² de área construída. A construção será com tijolo de solo cimento (bloco de terra comprimida ou tijolo ecológico) e cobertura com estrutura de bambu (guadua) e telha cerâmica. A área interna será composta por uma cozinha, dois banheiros acessíveis, um salão para realização de atividades e uma pequena sala de apoio. No espaço, serão desenvolvidas as oficinas de capacitação e formação relacionadas à gastronomia, ao artesanato e às artes, além das reuniões e festas da comunidade.

Metodologia

A ação conjunta que ocorreu no último fim de semana faz parte da filosofia do Elos, que passa por sete passos: olhar; afeto, sonhos; cuidado; milagre; celebração e re-evolução. O mutirão corresponde ao milagre, já que prevê a transformação do espaço com agilidade, mostrando assim que é possível concretizar algo de maneira rápida. Após esse momento, é feita uma reflexão com os moradores envolvidos no mutirão: se é possível realizar algo transformador em um pequeno período de tempo (no caso, dois dias), muito mais pode ser construído em períodos maiores de tempo.

“O que acontece hoje é resultado de uma mobilização que começou há um ano e meio, mas o interessante é que não existe certo ou errado, melhor ou pior, porque trabalhar com o desenvolvimento comunitário e o cultivo de relações demanda tempo. Com a construção do prédio que sediará a Associação de Moradores, o Abaeté terá o primeiro espaço de convívio público de todos os condomínios, e esse espaço público aproximará ainda mais a comunidade para que se mobilize e tenha autonomia para dar continuidade à busca de conquistas de interesse comum”, afirmou Fernando.

O processo de criação do grupo que estará à frente da associação de moradores também já está em andamento, com discussões sobre a definição das funções e outras questões ligadas ao papel de cada um.  O facilitador ainda explicou que até junho, será realizado um festival de comunidades empreendedoras, onde serão apresentadas experiências com o objetivo de incentivar e inspirar a continuidade de projetos locais.

Construindo relações

Durante o mutirão, foi possível observar o trabalho integrado e a mobilização entre os moradores, que aos poucos transformou o espaço, antes tomado por  mato alto, em um local de convivência que começa a ganhar forma.

Responsável pelas ferramentas utilizadas no mutirão, Elias Gonçalves Couto demonstrou proatividade e prazer em ajudar. “Nosso primeiro desafio aqui é construir nossa área de lazer e a Associação. Depois, será cuidar do patrimônio que estamos erguendo. Acredito que com a força da união dos moradores, isso será possível”, disse.

O impacto positivo do trabalho desenvolvido por meio do projeto pode ser notado na construção das relações que está nas histórias contadas pelos moradores do Abaeté. “Quando me mudei para cá há três anos, só ia do apartamento para o trabalho e vice-versa. Eu não tinha relacionamento com os moradores.  Hoje, já chego ao ponto de ônibus e tenho assunto para conversar com meus vizinhos. Essa convivência é muito importante, porque não podemos nos prender a uma vida sozinha. Acho que a criação da Associação vai trazer muitos benefícios, principalmente para as pessoas se ajudarem. Esse projeto transformou nossa vida no bairro, e a partir de junho, teremos o desafio de continuar isso sozinhos, com tudo que aprendemos”,  contou Vilma Aparecida Raymundo, que junto com a irmã Márcia Aparecida Raymundo, é a autora do projeto Beneart Canaã, que foi um dos escolhidos para ser desenvolvido como oficina comunitária no espaço em que será construída a Associação de Moradores.

Maria Lúcia Penera Rodrigues, que construiu uma amizade com Vilma e Márcia e atuou no grupo da alimentação durante o mutirão, concorda com a amiga. “Agora é nossa vez de dar o passo para frente.  Com a criação da Associação, nossa expectativa é trazer ainda mais melhorias para o bairro, e vontade para isso é o que não nos falta”, afirmou.

Para Patrícia Ledo, arquiteta urbanista que faz parte do projeto, os moradores estão interessados na criação da Associação e participam ativamente das reuniões que organizam o grupo. Eles estão unidos para correr atrás dos direitos e deveres e estão se apoiando para isso, com muito diálogo sobre o futuro da comunidade. Dentro de um processo participativo, os moradores acompanharam as criações de parcerias e assim conhecem os caminhos possíveis de serem trilhados para a busca de outras conquistas e reivindicações, em um processo de aprendizado”, avaliou.

Saiba mais sobre o Instituto Elos: http://institutoelos.org