(Por Ingrid Vogl)

Inez Nascimento Santos, 30 anos, estudante, é boa em lembrar datas. Em especial, as que marcam sua vida, como o dia 27 de fevereiro de 2012, quando conheceu o Hospital Sobrapar. Natural de Poço Verde, distante 150km da capital Aracaju, em Sergipe, Inez se mudou em 2011 para Cajamar, em São Paulo, com um objetivo bem definido: fazer o tratamento para a neurofibromatose facial.

Segundo Inez, até 2011, ela não sabia exatamente que doença tinha. “Cheguei a fazer quatro cirurgias em Aracaju entre 2001 e 2004, mas não melhorou muita coisa”, lembrou. Foi quando sua mãe faleceu que Inez resolveu se mudar para São Paulo para procurar uma instituição que pudesse tratar sua doença.

Desde que nasceu, Inez convive com a rara doença congênita que afeta os nervos periféricos, provoca o crescimento anormal de tecido formado por tumores externos (benigmos) e que tem como principal característica desfigurar completamente a pessoa. “São tumores que vão substituindo todos os tecidos do rosto: os nervos que param de ter os estímulos nervosos; os músculos; além da pele que fica mais flácida. Já foram realizados 33 transplantes de face, um ou dois deles foram nesses pacientes com essas características deformantes”, explicou Dr. Cassio Eduardo Raposo do Amaral, vice-presidente do Hospital Sobrapar, entidade parceira da Fundação FEAC, e presidente da Associação Brasileira de Cirurgia Crânio Maxilo Facial.

Até chegar ao Sobrapar, Inez enfrentou muitas dificuldades. “Encontrei muitas portas fechadas. Muitos profissionais me disseram que não havia tratamento, ou que o custo era muito grande e até mesmo um médico que disse que era uma questão estética. Quando já estava perdendo as esperanças, encontrei o Sobrapar. O hospital é um divisor de águas na minha vida”, frisou.

Depois de passar por uma triagem e ser bem recebida e orientada por toda a equipe, Inez teve duas reações distintas: a primeira foi se assustar com todas as informações que recebeu sobre sua doença e com o longo e doloroso tratamento que teria que enfrentar. Por isso, ela se afastou por um tempo do hospital. A segunda reação foi encarar o desafio e retornar no início de 2013 decidida a iniciar o tratamento.

“A gente chega muito fragilizada, mas recebe um suporte psicológico muito bom. Pela primeira vez na vida me senti amada, e depois de muito tempo, alguém estava se importando comigo”, disse Inez emocionada.

Outra data que a paciente não esquece: 22 de abril de 2013, quando ela passou por sua primeira cirurgia. Dr. Cassio lembrou de quando Inez chegou no Sobrapar e contou sobre a impressionante mudança em sua situação. “Perguntei o que ela queria, e ela disse que desejava uma face normal e a colocação de uma prótese no olho”, disse.

A partir daí, o cirurgião plástico planejou uma série de complexas cirurgias. “Primeiro a gente dá uma face para essa pessoa, que porventura não iria ter sem essas cirurgias bem realizadas”, disse Dr. Cassio. A doença é progressiva e toma toda a estrutura facial. A intervenção cirúrgica mais recente foi realizada no dia 2 de janeiro de 2017 para corrigir as sobrancelhas e Inez continua o tratamento no hospital, onde novas intervenções serão realizadas no futuro. Até agora, Inez já passou por 15 intervenções cirúrgicas. No Sobrapar, os tratamentos podem durar até 30 anos, já que muitos são gradativos e feitos por etapas.

Atendimento Humanizado

Nas relações interpessoais entre profissionais e pacientes que acontecem no Sobrapar, é nítido o intenso processo de humanização do atendimento. Ali, é perceptível que a valorização da dignidade do profissional e do paciente são constantes. A humanização das relações e dos cuidados no ambiente hospitalar é uma preocupação permanente que se tornou uma política nacional institucionalizada pelo Ministério da Saúde em 2003 (Saiba mais sobre a Política Nacional de Humanização)

Para Carla Nascimento, assessora técnica do Departamento de Assistência Social da Fundação FEAC, a humanização do atendimento no Sobrapar é fundamental na evolução dos quadros clínicos dos pacientes. “A qualidade do atendimento e o envolvimento de toda equipe multidisciplinar proporciona aos pacientes acolhida, segurança, qualidade e transformação das vivências sociais. A equipe compreende o quanto as questões das deformidades físicas influenciam nas relações interpessoais e favorecem para o adoecimento emocional da grande maioria dos pacientes. Porém, esse atendimento nunca é generalizado, o olhar é único e de acordo com a necessidade e experiência de cada indivíduo e de fato, tem feito diferença na vida dos atendidos e de seus familiares”, analisou.

O resultado da promoção do atendimento humanizado é claro nos depoimentos dos pacientes, que se mostram sempre gratos e felizes com o que recebem naquele ambiente. “No Sobrapar a equipe se preocupa com nossos sonhos e nos tornam capazes de realizar e se orgulhar de nossas conquistas. A gente volta a acreditar no nosso potencial”, declarou Inez, que pretende seguir com seu sonho de retomar o curso de pedagogia.

Equipe multidisciplinar

Um dos destaques do hospital é o atendimento da equipe multidisciplinar, que trabalha integrada e muito bem articulada. O grupo possui profissionais das áreas de cirurgia plástica; serviço social; psicologia, fonoaudiologia, ortodontia, otorrinolaringologia, anestesiologia, neurocirurgia e ortopedia.

É justamente nos dias de ambulatório que o hospital está mais movimentado. São nessas ocasiões, em pelo menos dois dias da semana, que pacientes vindos de todas as regiões do país, e inclusive de outros países como México, Bolívia e Síria,  passam pelos atendimentos das áreas multidisciplinares que fazem parte do tratamento. Somente em 2016, foram feitos 20 mil atendimentos ambulatoriais e 1.100 cirurgias no Sobrapar.

As trocas de informações entre os profissionais das diversas áreas é constante e acontece especialmente nos dias de atendimento ambulatorial. No entanto, há ainda, uma vez por mês,  uma reunião multidisciplinar onde são discutidos até quatro casos de pacientes com o objetivo de definir condutas gerais para os tratamentos em pauta.

Este trabalho integrado é constantemente citado por Inez, que é enfática em afirmar que mudou física e emocionalmente depois que iniciou seu tratamento. “Hoje sou outra pessoa, muito mais segura e autoconfiante. Hoje tenho projeto de vida e metas a alcançar. Sei o que quero e assim, fica mais fácil passar pelos problemas, situações adversas e desafios. Eu não mais sobrevivo, hoje eu vivo intensamente”, disse com uma autoconfiança inspiradora.

Dr. Cassio concorda com a paciente sobre a transformação de vida que o tratamento da doença traz. “As pessoas com algum tipo de deformidade ficam marginalizadas. Alguns pacientes chegam a andar com máscaras para não mostrar o rosto. As mães das crianças trazem relatos muito emocionantes e gratos do quanto o tratamento melhora suas vidas. Às vezes me olho no espelho e me questiono se estou fazendo o suficiente por essas pessoas, mas quando vejo o impacto que este trabalho traz para os pacientes, realmente percebo que nossa equipe está conseguindo fazer a diferença”, analisou o cirurgião plástico, que lembra de mensagens recebidas via WhatsApp de mães e pacientes que são verdadeiras declarações de amor e gratidão.

Por outro lado, a saúde emocional dos pacientes que chegam ao Sobrapar também é muito bem cuidada. Rafael Andrade Ribeiro, um dos psicólogos do hospital, explica que os pacientes que chegam são avaliados para que possam entender se já  há formas de enfrentamento estabelecidas por eles para vivenciar situações adversas.  “Independentemente da deformidade, a gente precisa saber o que é mais estressante para cada pessoa. Porque pacientes que têm o mesmo diagnóstico podem ter uma convivência com a doença muito própria. Então, nossa premissa é que todo mundo consiga desenvolver o enfrentamento adequado para se adaptar às situações do dia a dia”, explicou.

O objetivo do tratamento psicológico é que o paciente consiga desenvolver as habilidades sociais e de enfrentamento da doença e do tratamento, além de estar preparado para situações aversivas, como por exemplo, o bullying. Já as crianças que nascem com más formações somente começam a perceber melhor sua forma física e ter contato com preconceitos externos após certa idade. Com elas o trabalho é preventivo para que futuramente estejam fortalecidas.

De acordo com o psicólogo, em alguns casos, a doença impacta nos relacionamentos sociais ou afetivos , bem como na busca por um emprego.  Muitos não querem se expor já que consideram que a convivência social ou profissional gera  um impacto negativo  em suas vidas.

Segundo Rafael, a equipe multidisciplinar do hospital também estimula os pais a matricularem a criança já nos primeiros anos da educação infantil. “Isso ajuda a criança a desenvolver a habilidade social, de resolver questões em grupo e isso também estimula o comportamento escolar em si”, afirmou. O acompanhamento psicológico dos pais e familiares que estão com os pacientes também é considerado importante para os profissionais. “Muitas vezes, é marcada uma consulta com os responsáveis pela criança, já que eles estão diretamente ligados ao tratamento e também precisam de apoio psicológico para lidar com todo o extenso e complexo tratamento”, explicou.

Saiba mais sobre o Hospital Sobrapar: www.sobrapar.org.br