(Por Ingrid Vogl)

A Praça do Acolhimento, identificada com uma placa como as de rua e que fica na entrada do Instituto Dom Nery, já diz muito sobre como é o tratamento a quem chega ali. A entidade, que é parceira da Fundação FEAC, tem como premissa acolher com cuidado crianças e famílias e a elas dispensar toda a atenção necessária para que se sintam familiarizadas com a instituição de educação infantil.

E é justamente por este motivo que o Dom Nery consegue atrair voluntários que trabalham com comprometimento e engajamento à rotina pedagógica da entidade. Segundo Vânia Borges Albanez, diretora educacional, é essencial cultivar o respeito, carinho e acolhimento para criar o vínculo com os voluntários que chegam até o Dom Nery.

“A forma como a gente acolhe é que cria este vínculo e, consequentemente, eles abraçam a causa e se tornam parte de nossa equipe”, afirmou Vânia, que também destacou como essencial a integração do trabalho pedagógico com as atividades desenvolvidas pelos voluntários

De acordo com ela, sempre que chega à instituição, o voluntário é apresentado à rotina educacional, à proposta pedagógica e toda a equipe de educadores. A partir disso, eles têm a possibilidade de encaixar a proposta de trabalho dentro da rotina da entidade. “Quando a gente apresenta o trabalho aos voluntários e eles percebem que tudo funciona com planejamento e organização, isso gera segurança, respeito e comprometimento pelo que será iniciado”, explicou Vânia.

Após essa apresentação, são discutidas quais as possibilidades de atividade e o que o voluntário gostaria de fazer alinhado à rotina do Instituto. Com o início da ação, o voluntário interage com todas as turmas de crianças e passa a cumprir horário e ser assíduo.

Com todo esse cuidado e preocupação em estreitar vínculos, o Dom Nery possui hoje cinco voluntários, que desenvolvem as mais variadas atividades: capoeira, inglês, leitura, desenho clássico e organização e manutenção da brinquedoteca. O Instituto atende 180 crianças de 3 a 5 anos e 11 meses em período integral (7h30 às 17h). 

Desafios

Mesmo com todo o cuidado que a equipe do Dom Nery tem em acolher e fidelizar os voluntários, a entidade enfrenta desafios comuns quando se trata deste tipo de trabalho, como o compromisso e a continuidade. “ O Dom Nery tem as portas abertas para receber os voluntários, mas mantê-los sempre foi uma luta. O que acontece em muitos casos é que as pessoas se interessam pelo trabalho em um primeiro momento, voltam uma ou duas vezes e depois nunca mais aparecem e não dão satisfações”, afirmou Vânia.

Para evitar a descontinuidade das ações, é feito um termo de adesão entre as partes que estabelece que o desligamento do voluntariado deve ser avisado com antecedência. Relatórios também fazem parte da rotina do trabalho deles dentro da instituição.

Outro desafio apontado pela diretora é alinhar as possibilidades de ações voluntárias com as necessidades da entidade e integrar o trabalho oferecido com o conteúdo educacional desenvolvido. “É preciso conectar a vontade do voluntário com a necessidade da instituição”, concluiu

Para Marcela Doni, assessora técnica do Centro de Voluntariado da Fundação FEAC, o Dom Nery está fazendo seu papel para manter seus voluntários satisfeitos ao mesmo tempo que qualifica o trabalho desenvolvido na instituição. Segundo ela, reter voluntários não é algo fácil e não há garantias para que isso aconteça, porém, alguns pontos chaves podem minimizar a evasão.

A partir do momento que a instituição opta por receber voluntários, ela precisa estar preparada e informar à equipe contratada que o voluntário irá contribuir com um melhor atendimento. “É preciso que haja um acolhimento profissional, um acompanhamento desse voluntário principalmente no início, um bom entrosamento com a equipe técnica. Assim o voluntário toma consciência de que sua ajuda é importante e sente-se útil”, afirmou.

Gratidão

Conversando com os voluntários do Dom Nery, é possível sentir como o trabalho é levado a sério e feito com carinho. Há poucos meses morando em Campinas, a alemã Tanja Peters de Camargo sentiu falta do trabalho voluntário que desenvolvia na Alemanha. Lá, ensinava a língua alemã a jovens refugiados da Síria. “Sou intérprete e professora de idiomas, e entre tantos trabalhos que já desenvolvi, o voluntário foi o que mais gostei, o que mais teve significado para mim”, definiu.

Assim que matriculou o filho mais novo, Zion, 3 anos, no Dom Nery, Tanja teve a ideia de ensinar outra língua para as crianças. A ideia original era o alemão, mas após conversa com a equipe da escola, ficou acordado que seria o inglês.

“As crianças aprendem muito rápido quando têm contato direto com a língua. Eu só converso com elas em inglês e a reação delas é tão natural, porque mesmo quando elas não entendem o que digo, a linguagem gestual é compreendida. É muito legal vê-las reagindo e entendendo aos poucos. Elas são interessadas, curiosas e o que acho mais lindo é que elas estão abertas a novos conhecimentos”, disse Tanja.

O capoeirista Tiago de Camargo, conhecido como Mestre Formiga, é marido de Tanja e também oferece sua experiência de 22 anos dando aulas de capoeira na entidade. O resultado foi o despertar do fascínio dos pequenos pela arte e cultura da capoeira. Tiago é presidente do Instituto Brasileiro de Esporte, Cultura e Arte (IBECA), morou 9 anos na Holanda e 6 na Alemanha. Agora que mora próximo ao Dom Nery, ele resolveu retribuir tudo que aprendeu ao longo de sua carreira. Sua trajetória teve início há mais de 30 anos, quando participou da Meninos de Sinhá, uma iniciativa do Mestre Maurício que atendia crianças no Jardim Ipaussurama.

“É gratificante trabalhar com crianças porque elas são sinceras e espontâneas. Quando a gente gosta do que faz, essa energia boa volta pra gente. Os pais trazem relatos sobre os filhos que não param de falar sobre a capoeira e sobre as músicas que cantam durante as atividades. Todo esse retorno é muito gostoso, me faz voltar às minhas origens da capoeira”, lembrou Mestre Formiga.

Outra ação voluntária que despertou o interesse das crianças foi o desenho clássico, que Gabriela Tótoli Sacchi, técnica em edificações, levou para a entidade. Segundo ela, o gosto pelo desenho está presente desde que tinha a idade das crianças que atende. “A ideia surgiu para oferecer às crianças outras possibilidades de atividades”, afirmou. Após quatro encontros com os pequenos, a tia Mora, como Gabriela gosta de ser chamada, já é figura querida e aguardada nas manhãs de terças-feiras.

Segundo Gabriela, as crianças ficaram encantadas com o desenho clássico. Elas interagem, pedem ajuda a todo momento, se concentram e se dedicam para que seus desenhos saiam no capricho. “Esse retorno, de ver a criança feliz, é incrível. Aqui tenho a sensação de sermos uma grande família, é muito satisfatório”, disse a tia Mora, que já observou vários potenciais talentos entre as crianças.

Já a incentivadora de Gabriela para o trabalho voluntário é sua mãe, Maria Solange, que também pratica o voluntariado. “Todas as pessoas deveriam ter a oportunidade de se voluntariar em algum momento da vida. É um aprendizado que a gente nunca mais esquece e muda a visão do ser humano com relação às coisas e pessoas”, analisou Maria.

A pedagoga Carla de Melo queria ser professora desde pequena, e com seu primeiro trabalho voluntário iniciado este ano, tem a oportunidade de ter a vivência da leitura com as crianças.  “Aqui faço tudo com amor e carinho. É um trabalho envolvente, as crianças abraçam e nos recebem muito bem. Ao mesmo tempo em que doo conhecimento, eles me doam experiência”, disse tia Carla, como já é conhecida na escola.

A voluntária já realizou diversas atividades com as crianças, como rodas de contação de histórias e o varal de livros, e já tem planos para criar um livro coletivo com a parceria da tia Mora. Ela também entrou em contato com o Instituto Rubem Alves e conseguiu doações de livros. “Aqui na instituição me sinto acolhida, feliz. A equipe de educadores é unida e acordo muito animada para vir atuar às terças e quintas-feiras. O voluntariado nos faz crescer como pessoa e a gente leva para casa e para toda a vida os valores com os quais temos contato aqui”, contou. 

Resultados

O comprometimento dos voluntários do Dom Nery já agrega qualidade ao trabalho e também traz ganhos percebidos nas crianças. Os professores constantemente dão retornos sobre o resultado das atividades com os pequenos e os percebem mais disciplinados, desenvolvendo a coordenação motora, o trabalho em equipe, a cooperação, e estão mais colaborativos e autoconfiantes. Eles também estão aprendendo sobre limites, responsabilidades pelos atos, e ainda acabam conhecendo mais sobre cultura e história.

Segundo a professora Rosane Aparecida Barbosa Teles, o trabalho voluntário traz ganhos principalmente para as crianças. “Percebemos no dia a dia que os pequenos desenvolvem mais a concentração e percepção do ambiente onde estão com a aula de desenho. Na biblioteca, percebo que eles têm uma consciência melhor do uso daquele espaço, da importância da organização dos livros, por exemplo. No caso das aulas de capoeira, as crianças aprendem sobre regras, expressão corporal, respeito e limites”, afirmou.

Isso tudo ainda resulta no reconhecimento que as famílias têm pelos voluntários, expressado por bilhetinhos carinhosos e relatos do desenvolvimento das crianças também em casa.

O acolhimento, o respeito e o carinho que criam e estreitam vínculos com os voluntários da entidade servem de inspiração constante.

Saiba mais sobre o Instituto Dom Nery: www.domnery.org.br

Saiba mais sobre o Centro de Voluntariado da Fundação FEAC: www.feac.org.br