(Por Claudia Corbett)

Este ano se comemora os 30 anos da luta nacional antimanicomial.  A data é anualmente celebrada em 18 de maio. Neste cenário, a cidade de Campinas se destacou pela mudança no tratamento psiquiátrico realizado no Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira, localizado no distrito de Sousas. O processo aconteceu mediante a assinatura de um convênio de cogestão com a Prefeitura de Campinas, em 1990.

Três anos depois, a instituição se tornou referência em atendimento psiquiátrico no Brasil, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. Entre as alternativas inovadoras adotadas para tratamento do transtorno mental, a arte foi fundamental. Elementos como a música, artes plásticas e teatro contribuíram para um tratamento mais humanitário.

Mudanças Inovadoras

No início, foram mantidos alguns leitos para internação, com uma margem de segurança, no sentido clínico. Ao mesmo tempo, implementou-se um hospital dia, no qual a internação passou a ser mais curta, de um dia, com avaliações caso a caso.

A criação de uma horta foi uma das primeiras oficinas voltadas aos usuários, realizada fora das dependências do Serviço de Saúde. “Foi a primeira atividade na tentativa de incluir as pessoas com transtorno mental na comunidade”, enalteceu Telma Palmiere, superintendente do Cândido Ferreira.

De 1991 a 1997, a instituição deu início ao projeto de pensões protegidas e casas lares nos distritos de Sousas e Joaquim Egídio que passaram a ser alugadas para receber os usuários do Serviço de Saúde. Atualmente, este modelo leva o nome de Serviço Residencial Terapêutico. “Fomos pioneiros. Com isso, a sociedade começou a sentir as mudanças no tratamento dos usuários” constatou Telma Palmiere.

Para aqueles que se vislumbra a retomada dos vínculos familiares, há um incentivo. Eles recebem um recurso do Governo Federal, por intermédio do Ministério da Saúde, chamado De volta para Casa, programa de transferência de renda que visa a reintegração social de pacientes acometidos por transtornos mentais e com história de longa internação psiquiátrica.

Quando não há mais vínculo, realidade da grande maioria, eles permanecem nas casas, um tipo de república que tem assistência de vários níveis. “Temos atualmente outras características nas nossas moradias. As pessoas estão envelhecendo e já necessitam de outros tipos de tratamentos e cuidados”, contou a superintendente.

“De todas as novas propostas do plano de saúde voltado à saúde mental, o Cândido Ferreira implementou muito antes de qualquer lei, portaria ou diretriz. É um serviço 100% público e tem tudo que a saúde mental prevê”, comemorou Telma Palmiere.

Para Regiane Fayan, assessora técnica do Departamento de Assistência Social da Fundação FEAC, o papel do Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira foi essencial para a luta antimanicomial no Brasil. Como precursor deste processo de desinstitucionalização dos hospitais psiquiátricos, ele focou nos pacientes como cidadãos que têm direito fundamental a liberdade, de viver em sociedade, além do cuidado e tratamentos adequados. “Certamente ainda se faz necessário maior investimento nesta área, além de ações que possam dirimir o preconceito existente em relação a pessoa com transtorno mental”, concluiu.

Geração de trabalho e renda

O Núcleo de Oficinas do Trabalho (NOT) foi um projeto inovador e também pioneiro. Proposto como eixo de um trabalho de geração de renda, desde o princípio é um incentivo para os usuários que ganham com o que produzem. São oficinas de vitral, gráfica, mosaico, marcenaria, costura, serralheria, ladrilho hidráulico, culinária, doçaria artesanal, horta e jardinagem.

A partir do fortalecimento deste projeto, começou-se a estruturar uma cooperativa para organizar e formalizar o pagamento das pessoas, compromisso deles com o trabalho e as vendas.  No lugar desta cooperativa um grupo de usuários criou a Associação Cornélia Maria Elizabeth Van Hyclama Vlieg, que integra o universo de entidades parceiras da Fundação FEAC. O nome escolhido é de uma terapeuta ocupacional holandesa que esteve na história do Cândido por vários anos e acompanhou o processo de mudança. “Ela foi uma pessoa especial no cuidado daqueles que estiveram internados no Serviço, por isso foi feita essa homenagem”, contou a superintendente.

Centro de Convivências

Outra iniciativa realizada pelo Cândido Ferreira foram os centros de convivências, como por exemplo a Casa dos Sonhos, um centro comunitário que os usuários frequentam não na lógica da doença e sim da convivência. A unidade é intergeracional com atividades recreativas, de lazer e de cultura. Conta com as contribuições de voluntários para as oficinas ofertadas, e ainda tem parceria com a Fundação Municipal de Educação Comunitária (Fumec) da Secretaria de Educação da Prefeitura de Campinas.

 Ponto de Cultura

A comunicação é um incentivo para o protagonismo dos usuários da saúde mental. O aprendizado de técnicas jornalísticas permite a formação de uma visão crítica, da inclusão e do letramento digital. Tanto o Jornal Candura – Espaço Aberto,  quanto a programação da rádio Maluco Beleza, já com 15 anos de atividades, têm como público alvo os usuários da rede de saúde mental e a comunidade. 

Bloco do Candinho

O Carnaval foi também uma das oportunidades encontradas para a ressocialização dos usuários da saúde mental na comunidade onde estão inseridos.  O Bloco do Candinho começou em 1998 somente como um experimento. Hoje faz parte do Calendário da cidade de Campinas. O Projeto Coletivo da Música do Cândido Ferreira é responsável pela formação da bateria deste Bloco.

Princípios da Reforma Psiquiátrica

Ao longo de trinta anos, a lei 10.216/01 conhecida como a Lei Paulo Delgado  vem contribuindo diretamente para a abertura de serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), as Residências Terapêuticas, os Centros de Convivência, entre outras iniciativas. Nesse sentido, a Reforma Psiquiátrica brasileira, além de contribuir para o processo de construção de serviços substitutivos, tem o objetivo de desconstruir tratamentos baseados no isolamento e devolver ao indivíduo o direito ao convívio social e a possibilidade de desenvolver potencialidades e cidadania. A base de tudo é a inclusão.

Mais informações: candido.org.br